Por Luís Fernando Praga
Brasileiro, casado, pai de meninas, veterinário, escritor amador, estilo caipira, da variedade que enxerga o golpe, modelo compacto; um cara comum, é assim que me vejo, mas tenho outras características…
Encaro a vida sob duas perspectivas básicas: o olhar anarquista, isto é: o mundo não deve ter hierarquias opressoras e impostas por leis, mas lideranças naturais, que respeitem, acima de tudo, a ideia de que, apenas em se preservando e garantindo as liberdades individuais, é que nos aproximaremos de uma sociedade mais justa e harmônica. E o olhar pacifista: gosto da paz e do amor, e creio em ambos como um caminho.
Ser um anarquista, numa sociedade capitalista, é uma impossibilidade momentânea. Seria uma afronta às tradições e às pessoas apegadas a tais tradições, pessoas com crenças e visões de mundo muito diferentes das minhas, pessoas a quem amo e que não merecem sofrer por um radicalismo que é meu e não delas, e sim, eu me importo com isso. Também seria lutar, sozinho, contra instituições conservadoras, interessadas na manutenção do status quo, muito bem organizadas e que, há séculos, perseguem e debelam, com seus exércitos de gente obediente e com medo, lideranças e grupos anarquistas mundo afora. Além do que, ser anarquista, hoje, daria cadeia. Esta é a única vida que tenho, sou tiete da liberdade e nenhuma liberdade gosta de cadeia.
A verdade não se impõe, se for mesmo a verdade, um dia será assimilada.
Não posso ser um anarquista puro, se quiser manter minha liberdade um pouco mais livre, mas posso confiar no futuro em que creio e viver de construir caminhos que nos aproximem de lá.
Vivo sob as regras deste sistema político e não devo fingir que elas não me oprimem, mas ainda posso dizer que não acredito na benevolência do sistema. Entretanto, não é porque, em última instância, o anarquismo prevê o fim da hierarquia, que eu deva, hoje, considerar que todos os políticos sejam o mesmo tipo de câncer, que todos sejam meus inimigos, parar de votar e, assim, permitir que os piores sejam mantidos no poder, e, alegando que “é tudo farinha do mesmo saco!”, prolongar a era de trevas em que vivemos.
Não é por não confiar em governos que eu não enxergue que alguns se empenham em manter o rigor das estruturas, o povo ignorante, os privilégios das elites e a exploração das massas; enquanto outros se esforçam em diminuir as desigualdades e resgatar a dignidade necessária para que o cidadão conquiste maior autonomia.
Definem esquerda e direita como querem, mas me apego àquela definição antiga, de quando surgiu tal divisão, na revolução francesa: Ser de esquerda é lutar por melhorar a vida de quem mais precisa, isto é, o povo. Ser de direita é lutar por manter a vida de privilégios das classes dominantes, isto é, explorando o povo.
Sendo assim, meu anarquismo é pacífico e de esquerda; e, sendo assim, nazismo e fascismo são de direita, pois não há como beneficiar um povo ao se disseminar o ódio, apegando-se a preconceitos excludentes.
Quanto ao meu pacifismo, ele é aquele que imagina um mundo sem guerras, onde os inevitáveis conflitos sejam resolvidos diplomaticamente e com base no bem comum. Sou, por princípio, contrário a todas as guerras e creio que podemos, um dia, acabar com elas, o que não se aplica aos conflitos, estes são, e sempre serão, uma presença garantida na história de qualquer espécie que habite este planeta, sendo essenciais à evolução.
Sou pacifista, mas não posso fingir que não vivo numa sociedade capitalista, dependente da indústria bélica, que lucra absurdamente com as guerras e suas consequências; e que, por isso, incita aos conflitos e muitas vezes os transforma em guerras.
Vivo neste mundo e é nele que morrerei, sem ver justiça social ou a paz mundial, mas sei que muitos já vieram antes de mim, o que me dá a impressão de que, por certo, outros tantos virão depois da minha morte. Quanto à informação de que os futuros habitantes do Planeta deverão, necessariamente, viver neste mesmo mundo, de apego insano e insustentável a coisas, neste mundo de arbitrariedades, exploração do semelhante e desprezo à liberdade, esta informação eu até já recebi, porém, como a vida é minha, posso raciocinar, juntar as peças históricas, avaliar a fonte de que recebi cada informação e decidir se vou, ou não, levá-la em consideração.
E é não, eu não levo em consideração a possibilidade de que as gerações futuras estejam aprisionadas, eternamente, a este tenebroso presente histórico, para mim é balela de fontes tendenciosas e pessimistas. A evolução vem no tempo da evolução, não no tempo que gostaríamos que fosse.
Dessa forma, mesmo neste mundo de competição desenfreada, de política corrompida, de violência, de preconceitos, de mídia manipuladora, de escola deseducadora e das guerras, a minha vida ainda é só minha; e, por mais que os sistemas político e econômico tentem roubá-la de mim, ainda sou eu que penso a minha vida. Ela não pertence a nenhuma pessoa além de mim, a nenhum partido político, a nenhuma divindade ou igreja, a nenhum time de futebol ou a um sistema econômico; ela é minha e todos nós deveríamos ter a percepção da liberdade de ser o dono da própria vida. Todos deveríamos enxergar o grande potencial desta liberdade, dar o máximo valor a ela e notar que ela é de todos e de cada um. A liberdade sobre a própria vida deve ser sagradamente respeitada e jamais ser podada de ninguém que obedeça a este princípio; isto seria a base da cidadania.
Ser dono da minha vida e amar a liberdade não me tornam um ser isolado. Nossa espécie é naturalmente sociável, e criar laços estimula a imunidade, é essencial à evolução, vital, e quem quer ser livre e feliz não deve abrir mão do prazer de se criar laços. Zelar pela segurança, auxiliar na educação e no bem estar de minha família e de meus próximos, aprender e ensinar no amor não são coisas que me prendam, mas que me atraem e libertam.
Então, minha vida, que até o parágrafo anterior era só minha, também se torna mais que isso. Ela é uma das vidas que deixarão marcas para o futuro de minha espécie. Por acreditar que o futuro deve ser melhor, não limito meus pensamentos nem me prendo a convenções, deste presente, que não me convencem mais.
Às vezes, acabo agindo de forma incoerente com o que digo e busco, sou falível e não é um tabu ser falível, nosso tabu tem sido desmascarar a hipocrisia dos “infalíveis”. Já errei muito, vou errar mais, mas sei que meu desejo é agir corretamente. Os erros me ensinam e, muitas vezes, percebo que nem haviam sido erros, apenas ensinamentos.
Por estar ciente de que erros são humanos, cuido para que as conseqüências de meus erros não fujam dos limites da minha vida e acabem por prejudicar outras vidas; daí a importância de se ter autonomia sobre a própria vida; e não poder sobre a vida dos outros. Os poderosos erram para nações inteiras, erram para a espécie e erram para o planeta.
O poder é uma ilusão cruel e viciante que deve ser evitada e combatida, mas cada um crê no que quer.
Vivo neste mundo, onde coisas horrendas acontecem, mas enxergo as maravilhas do mundo e luto para que os horrores não as ofusquem. Em meus anarquismo e pacifismo interiores, consigo renovar as esperanças em cada amanhã e dar um sentido mais belo e amplo à minha existência.
O meu mundo ideal está distante, num lugar a que, hoje, chamam utopia, pois esperam que pareça impossível e que desistamos de chegar, mas ele está lá. E sim, lá é realmente muito distante daqui.
Decidi que minha vida será para caminhar no sentido da utopia, não porque eu queira caminhar para o mundo da baderna, da barbárie e da violência, mas por considerar que este lugar já é “aqui”. Creio que apenas “Lá”, nós nos entenderemos melhor e saberemos seguir sob as regras de leis naturais, as que realmente nos regem.
Como o “Lá” é muito distante daqui, e é para “Lá” que quero caminhar, tudo o que me distancie daqui e conduza para “Lá” será um passo dado. Tudo o que desafie nossa inércia, tudo o que confronte o poder vigente, tudo o que revele o caráter exploratório e contraproducente do conservadorismo, no que diz respeito à dignidade humana, me soará transformador e transportador para “Lá”. E o meio de transporte mais adequado para se chegar a esse mundo melhor, que fica muito longe, mas que posso vislumbrar com certa nitidez, não é o carro mais veloz nem o trem bala nem é o jato de guerra mais moderno. O melhor meio de transporte é aquele em que caiba mais gente, é aquele que comporte multidões humanas, é o povo unido em torno de causas transformadoras, são as ideias.
Na minha visão, é muito transformador deixar o pensamento fascista no passado e embarcar sem ele para o futuro. Na minha visão, um povo, ou alguém do povo, que afronte e ridicularize políticos (“infalíveis e poderosos”) representantes do pensamento fascista, da indústria armamentista e do capitalismo selvagem, alguém que queira dizer: “EU NÃO QUERO MAIS ISSO, NEM PRA MIM NEM PRA NINGUÉM!” está ajudando a nos conduzir para o lugar onde eu desejaria estar.
Eu não sonho com o mundo da “ovada” generalizada, mas, se um ovo escorrendo na cara de um político fascista é uma das poucas ferramentas de que dispomos para demonstrarmos nossa indignação, se um ovo pode marcar, pra todo mundo ver, aqueles desprezam o povo, se um ovo pode representar uma forma de união popular rumo a um mundo menos cruel e mais inteligente, então o ovo é vida! O ovo me representa!
Minhas armas mais contundentes ainda são o pensamento e textos como este, mas hoje: ATIREMOS MAIS OVOS!!
Ahhh esse texto é exatamente como penso… sem muita firula e dizendo tudo….
Parabens Luís Fernando Praga
Obrigado, Sandra. Acompanhe o Carta Campinas e a Coluna Flexível, porque continuaremos na luta. Abraço!
Este verdadeiro Manifesto encerra tudo que também sintetiza minha visão de mundo. Não estou só! Bravo, Luis Fernando!
Obrigado, Indignado. Vá bolando um jeito de fazer valer o fato de não estarmos sós. Abraços!