“Temos observado a poluição generalizada por microplásticos tanto de ecossistemas marinhos como de ambientes de água doce”, disse Luiz Felipe Mendes de Gusmão, professor da Unifesp da Baixada Santista e coordenador das pesquisas que envolveu vários pesquisadores.
De acordo com o pesquisador, enquanto resíduos de plástico grandes, como sacolas, tampinhas e garrafas PET, são relativamente fáceis de serem vistos e retirados da areia de uma praia, os microplásticos são quase impossíveis de serem removidos por serem muito pequenos e praticamente imperceptíveis a olho nu. Por isso, tem se observado um aumento do acúmulo desse tipo de poluente em praias de todo o mundo, apontou
“Os microplásticos que entram em um ambiente de água doce são transportados, via os rios, até os oceanos. E quando chegam aos oceanos esses fragmentos de plástico são transportados por correntes marinhas e tendem a ficar em suspensão na coluna d’água ou encalharem em praias”, explicou.
Uma vez que essas partículas de plástico têm sido encontradas de forma generalizada em ambientes marinhos e de água doce em todo o mundo, o pesquisador, em colaboração com colegas no Brasil e no exterior, começou a monitorar nos últimos anos a presença desses poluentes em ambientes aquáticos no país.
Os primeiros locais escolhidos foram as praias de Itaquidantuva e de Paranapuã, situadas na reserva ambiental de Xixová-Japuí, localizada entre os municípios da Praia Grande e São Vicente, na baixada santista, em São Paulo.
Durante um ano os pesquisadores coletaram semanalmente nas áreas das duas praias pellets de plástico – grânulos de plástico, com diâmetro inferior a 10 milímetros, utilizados na fabricação de produtos plásticos.
Os resultados das análises indicaram uma altíssima concentração desse tipo de microplástico. “Observamos pellets de plástico, de diferentes cores e tamanhos, se acumulando na praia de Paranapuã o ano inteiro. Em alguns momentos, as praias ficavam cheias desses microplásticos, e em outros momentos eles sumiam temporariamente em razão de fatores como a circulação oceânica, as ondas e o regime de ventos”, afirmou.
Os resultados dos estudo foram publicados nas revistas Environmental Pollution e Water Research.
Efeitos tóxicos
A fim de avaliar a potencial toxicidade para organismos marinhos dos contaminantes liberados por microplásticos, os pesquisadores da Unifesp, em colaboração com colegas da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Santa Cecília, realizaram experimentos em que expuseram larvas de mexilhões marrons a amostras de pellets de plástico que recolheram nas praias de Itaquidantuva e de Paranapuã e também a pellets virgens.
Os resultados das análises indicaram que os contaminantes liberados pelos pellets de plástico afetaram o desenvolvimento embrionário dos moluscos.
As larvas expostas aos pellets de plástico virgens apresentaram alta taxa de mortalidade, enquanto nenhuma das larvas expostas aos pellets de plástico recolhidos das duas praias conseguiu se desenvolver.
As observações sugeriram que os contaminantes aderidos à superfície dos pellets de plástico recolhidos das praias foram os responsáveis pelos efeitos tóxicos no desenvolvimento das larvas expostas aos microplásticos, enquanto a morte das larvas expostas aos pellets virgens foi devido provavelmente aos aditivos químicos do próprio material.
“Somente a exposição aos microplásticos, sem que ingerissem, fez com que as larvas morressem”, disse Gusmão.
Em outro estudo realizado em colaboração com colegas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), das Universidades Federais do Rio Grande (FURG) e do Paraná (UFPR), além da University of Copenhagen, da Dinamarca, e do Instituto de Estudos Ecossistêmicos, da Itália, eles examinaram o conteúdo intestinal da meiofauna (animais que medem menos de 1 milímetro e vivem enterrados entre grãos de areia das praias) de seis praias situadas no Brasil, na Itália e nas Ilhas Canárias, na Espanha.
As análises laboratoriais revelaram que três espécies comuns de anelídeos, do gênero Saccocirrus, tinham microfibras (fibras provenientes de cordas e fios de pesca e de tecidos de roupas, entre outras) em seus intestinos, mas sem apresentar lesões físicas aparentes.
“Constatamos que mesmo organismos marinhos desse porte podem interagir com microplásticos”, disse Gusmão.
Os pesquisadores da Unifesp, em colaboração com colegas das Universidades Federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e Rural de Pernambuco (UFRPE),também avaliaram a ingestão de microplásticos por um peixe de água doce comum e muito consumido em regiões semiáridas na América do Sul: o caborja (Hoplosternum littorale).
Para realizar o estudo, eles analisaram o intestino de espécimes do peixe de um rio intermitente que passa pela cidade de Serra Talhada, no interior de Pernambuco, capturadas por pescadores da região.
Os resultados das análises indicaram que 83% dos peixes tinham detritos plásticos em seus intestinos – a maior proporção relatada para uma espécie de peixe de água doce no mundo até o momento. (Carta Campinas com informações de divulgação)
Estudos:
O artigo “Leachate from microplastics impairs larval development in brown mussels’ (doi:10.1016/j.watres.2016.10.016), de Gusmão e outros, pode ser lido por assinantes da Water Research em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0043135416307667.
O artigo “In situ ingestion of microfibres by meiofauna from sandy beaches” (doi: 10.1016/j.envpol.2016.06.015) pode ser lido por assinantes da revista Environmental Pollution em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0269749116305036.
E o artigo “Microplastics ingestion by a common tropical freshwater fishing resource” (doi: 10.1016/j.envpol.2016.11.068) pode ser lido por assinantes da mesma revista em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S026974911632396X.