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Empresa do agronegócio é condenada por jornada de trabalho ‘atroz, cruel e desumana’

Mesmo sem a aprovação da Reforma Trabalhista do governo Temer, planejada pelo PMDB e PSDB, e que retira direitos de trabalhadores, além de dificultar que haja ação na Justiça do Trabalho, os casos de trabalho escravo no agronegócio já acontecem pelo Brasil.

Desta vez no estado de São Paulo, que deveria ser o mais desenvolvido do país.  A Rumo Logística Operadora Multimodal, empresa do grupo Cosan, que recentemente adquiriu a ALL Logística, foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 15 milhões por manter motoristas de caminhão em jornadas de trabalho extenuantes, que chegam a 34 horas.

Segundo a magistrada que proferiu a sentença, juíza Ana Lúcia Cogo Casari Castanho Ferreira, da 1ª Vara do Trabalho de Araraquara, “a prática de jornadas exaustivas, tal como constatada nos presentes autos, pode, sim, configurar o labor em condição análoga à de escravo, sendo desnecessária a existência de privação da liberdade de ir e vir”. A ação é do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas (SP).

A ação decorre de dois inquéritos civis instaurados a partir de operação realizada pelo MPT em conjunto com a Polícia Rodoviária Estadual na Rodovia Washington Luiz, em março de 2015. Na ocasião, o procurador Rafael de Araújo Gomes flagrou um motorista da empresa BNG Transportes dirigindo há 17 horas, com pequenas paradas ao longo do trajeto. Ele transportava açúcar para a Usina Santa Isabel (a Rumo transporta açúcar e etanol das usinas Raízen, joint venture entre Cosan e Shell, e também de concorrentes, como a Santa Isabel).

Terceirização – Os documentos fiscais apresentados às autoridades policiais mencionavam a Rumo Logística como a transportadora responsável pela carga (portanto, prestadora direta da Santa Isabel), que por sua vez havia subcontratado a Transportes Rodoviários Vale do Piquiri Ltda. (“quarterizada”), que por sua vez subcontratou a BNG (“quinterizada”).

O MPT requisitou à BNG cópias dos discos de tacógrafo de todos os seus caminhões. “A análise dos discos revelou situações idênticas ou ainda mais graves que aquela identificada na ação fiscal, como casos em que a jornada do motorista iniciou às 01:00h e continuou até as 22:30h, ou das 05:00h às 23h, ou das 07:30 às 24:00h, pontuados por período de espera para o carregamento ou descarregamento do caminhão”, afirma o procurador.

A Vale do Piquiri (contratante dos serviços da BNG), ao ser oficiada pelo Ministério Público, afirmou não ter contrato firmado com a BNG, assumindo a total informalidade das relações empresariais entre as duas pessoas jurídicas. “A Vale do Piquiri não apresentou cópia de qualquer disco de tacógrafo utilizado por ela, evidenciando que ela jamais utilizava caminhões ou empregados próprios, e limita-se a subcontratar o serviço de transporte, de forma completamente informal, sem a assinatura de um instrumento de contrato sequer”, aponta Gomes.

O Ministério Público teve acesso ao contrato firmado entre a Vale do Piquiri e a Rumo, o qual possui cláusula proibindo, de forma expressa, a subcontratação de empresas para o transporte de carga. “Embora a Rumo afirme que sua contratada possui caminhões e outros ativos necessários à realização do serviço de transporte, a Vale do Piquiri admite ao MPT que jamais utiliza veículos próprios, e subcontrata informalmente, e com fraude à legislação fiscal, todas as atividades de transporte. As subcontratações foram expressamente admitidas e autorizadas pela Rumo, apesar da proibição prevista em contrato”, observa Gomes.

A Rumo e a Raízen Energia , após oficiadas pelo MPT, apresentaram cópia dos contratos firmados com transportadoras envolvidas em transporte de cargas, cópia dos relatórios de rastreamento por satélite e dos tacógrafos de todos os veículos utilizados para transporte de açúcar produzido pelas usinas do grupo.

“As respostas recebidas revelam a prática habitual de jornadas de trabalho verdadeiramente atrozes, cruéis, desumanas e criminosas, comprovadas pelos relatórios produzidos pelas próprias transportadoras.

O normal é a jornada exceder ao número máximo de horas extras admitido pela legislação, chegando-se em alguns inacreditáveis casos a ser praticada jornada superior a 24 horas. É absolutamente impossível a qualquer ser humano cumprir tais jornadas sem apelar para drogas estimulantes, particularmente anfetaminas e cocaína. E a qualquer momento o motorista pode sucumbir ao sono, por absoluta exaustão, e provocar um acidente de dimensões trágicas, com mortos e feridos”, lamenta Gomes.

Em um dos casos, o trabalhador cumpriu jornada de 34 horas. Ela teve início às 06:05h e só foi se encerrar às 20:05h do dia seguinte, sendo que durante mais de 16 horas o caminhão esteve em movimento. O mesmo empregado havia trabalhado anteriormente por 12 horas, e na jornada imediatamente seguinte trabalhou mais de 10 horas.

Trabalho escravo – A acusação do Ministério Público pediu em juízo a condenação da Rumo ao pagamento de dano moral coletivo conforme a gravidade do dano causado. De acordo com a fundamentação jurídica da ação, a conduta ilícita da empresa, relativa à jornada exaustiva, conduz ao reconhecimento do trabalho análogo a de escravo na forma do artigo 149 do Código Penal.

A juíza que proferiu a sentença anuiu com a argumentação do MPT, afirmando que a prática de jornada exaustiva “tal como constatada nos autos” configura, de fato, o trabalho análogo à escravidão. “Salienta-se que é público e notório que o trabalhador exposto à extensa jornada de trabalho com redução de intervalo para refeição e descanso, bem como interjornada, está sujeito a um risco maior de sofrer acidentes, mormente no que tange ao setor de transporte rodoviário de cargas”, escreveu a magistrada.

Além do pagamento de dano moral coletivo de R$ 15 milhões, a Rumo é obrigada pela sentença a: não proceder à terceirização de serviços de transporte rodoviário, sob pena de multa de R$ 100.000,00 por motorista (podendo ser majorada em caso de reiteração); abster-se “rigorosamente” de prorrogar jornada de trabalho dos motoristas além de duas horas por dia, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por infração e por trabalhador atingido; e conceder intervalos de descanso (intrajornada e interjonada) conforme previsto na lei, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por infração e por trabalhador atingido. A empresa poderá recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

A profissão de motorista de caminhão no transporte de carga lidera o ranking de acidentes fatais no estado de São Paulo, como informa a Fundacentro, no relatório técnico “Vinculação de banco de dados de acidentes do trabalho fatais dos Estados de São Paulo e Minas Gerais”. Segundo o estudo, com base da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), tanto em São Paulo como em Minas Gerais, os motoristas de caminhão representam a maior parcela das vítimas de acidentes de trabalho fatais, 11,2% e 15,3% respectivamente. ACP nº 0012217-93.2015.5.15.0006 (Carta Campinas com informações do MPT).

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