Esse sentimento de pertencimento é estimulado por meio de diversas instruções em forma de poemas que levam o público a ser coautor, como na obra Árvore dos Pedidos para o mundo (2016): “faça um pedido e peça à árvore que envie seus pedidos a todas as árvores do mundo”, em que diversas mensagens são colocadas nos galhos que compõe a obra.
A exposição concebida especialmente para o Instituto Tomie Ohtake é formada por 65 peças chamadas de “Instruções”, que evocam a participação do espectador para sua realização. São trabalhos que questionam a ideia por trás de uma obra, destacando a sua efemeridade enquanto a desmitificam como objeto.
Com a curadoria de Gunnar B. Kvaran, crítico islandês e diretor do Astrup Fearnley Museum of Modern Art, em Oslo, a exposição O céu ainda é azul, você sabe… revela os elementos básicos que definem a ampla carreira artística de Yoko Ono, uma das principais artistas experimentais e de vanguarda.
A artista e ativista segue questionando o conceito de arte e do próprio objeto de arte. Foi uma das pioneiras a incluir o espectador no processo criativo, convidando-o a desempenhar um papel ativo em sua obra.
E foi o que fez a advogada Bárbara Martins assim que chegou à exposição. Ela procurava uma peça de porcelana no amontoado da obra Remende (1966). “Gostei bastante dessa montagem das peças, eu prefiro fazer as peças inteiras e as pessoas gostam de fazer trabalhos abstratos, então estou roubando peças dos trabalhos prontos para terminar meu vaso”, disse. Na obra, Yoko Ono instrui o público a consertar xícaras e pratos quebrados e, por meio da ação, também “consertar o universo”.
Para a servidora pública Joanile Verdugo, que já havia elaborado uma peça, a obra estimula a reflexão. “Estou tentando achar outras partes para criar esta peça, é difícil consertar o universo, mas percebi que quando você ajuda o outro é mais fácil, então está faltando isso no mundo”, concluiu.
A exposição reúne trabalhos criados a partir de 1955, quando ela compôs a sua primeira obra-instrução, Lighting Piece (Peça de Acender): “acenda um fósforo e assista até que se apague”. Na exposição, é possível seguir a sua criatividade e produção artística pelos anos 60, 70, 80, até o presente.
A artista tem forte engajamento político e social, sempre presente em suas obras. Em Emergir (2013/2017), ela sugere que o visitante “faça um depoimento de alguma violência que tenha sentido como mulher”. Para participar desta obra, os textos podem ser enviados pelo e-mail para a organização da mostra. As instruções estão no site do instituto.
“É uma chamada aberta para mulheres, depois o material vira parte de um banco de dados que a própria artista tem realizado desde 2013, quando a primeira versão da obra foi realizada”, explica a curadora associada da mostra, Carolina de Angelis. Ela faz parte do núcleo de curadoria do Instituto Tomie Ohtake e, com seus colegas, ajudou a montar a exposição que teve a coordenação de Paulo Miyada junto com Gunnar B. Kvaran, que esteve no país durante a montagem.
“Essa exposição poderia acontecer em muitos lugares ao mesmo tempo, porque é composta de textos e a partir dos textos algumas adquirem materialidade, outras são apenas reflexivas”, relata Carolina.
Foi o que percebeu o assistente de arte Guilherme Carnaúba. “A exposição não necessariamente precisaria estar reunida aqui, a ideia é que é tão conceitual que poderia estar em qualquer lugar, num parque, na sua casa, numa viagem, seguindo as diretrizes que a artista dá enquanto espectador. [A exposição] é muito diferente de tudo aquilo que a gente está habituado a ver”.
Acompanhando um grupo de estudantes latino-americanos, o professor chileno Marcelo Rabanal considerou a exposição interessante. “Gostei da ideia de fazer parte da arte. Algumas pessoas gostam, outras não, mas ficam impressionados com a artista e se perguntam se isso é arte. E a Yoko Ono sempre esteve nessa linha entre arte e performance”.
Já a estudante argentina Martina Ghidossi gostou da interatividade. “É um lugar que você pode fazer parte da arte e se expressar. Ao visitar a exposição, qualquer um pode sentir isso”.
Mesmo quem não admira a arte interativa pode apreciar a exposição. “Temos que prestigiar, a Yoko Ono tem uma história. Não é o tipo de arte que eu gosto, mas achei a exposição interessante”, aponta a aposentada Marilea Cruz Santos, turista de Joinville (SC).
Instruções de Yoko
As “Instruções” de Yoko Ono oscilam entre sugestões tão sucintas e abertas que se realizam tão logo são lidas, como Respire (1966), Sonhe (1964), Sinta (1963), Imagine (1962). Outras convidam ao contato pessoal: Peça de Toque (1963) e Mapa Imagine a Paz (2003).
Há também as sugestões aplicáveis apenas no campo mental ou imaginário, como Peça do Sol (1962), “observe o Sol até ele ficar quadrado”; Capacetes-Pedaço de Céu (2001/2008), “pegue um pedaço de céu, saiba que todos somos parte um do outro”; Peça para Limpar III (1996), “tente não dizer nada negativo sobre ninguém, por três dias, por 45 dias, por três meses”.
Segundo a curadora, pela primeira vez um conjunto tão grande de obras da artista foi traduzido para o português. “Esse processo de tradução foi bastante intenso, sempre pensando em uma escolha muito delicada das palavras, porque essas instruções são quase poemas, então todas essas palavras são muito bem adequadas e têm um propósito de estarem ali”, frisou.
Filmes
Entre as obras da exposição há ainda uma série de filmes, dois dos quais com a participação de John Lennon na concepção. Em Estupro (77 min, 1969), o músico foi co-diretor e em Liberdade (1970), de apenas um minuto de duração, o ex-companheiro da artista assina a trilha sonora. Também registrada em filme presente na mostra, Peça Corte (16min 1965) traz a icônica performance da artista realizada no Carnegie Hall (1964, NY), na qual o público pode cortar um pedaço de sua roupa e levar consigo. (Ludmilla Souza/Agência Brasil)
Instituto Tomie Ohtake – R. dos Coropés, 88, Pinheiros. São Paulo.
Terça a domingo: das 11h às 20h, até 28 de maio. Livre para todas as idades.
Ingresso: R$ 12, grátis às terças-feiras