Um caderno com 16 propostas legislativas contra o encarceramento em massa foi lançado nesta terça-feira (18) em ato público na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista. O texto contém propostas de alteração em leis com o objetivo de combater a dinâmica de encarceramento do sistema prisional do país, que tem a quarta maior população prisional do mundo. O encarceramento em massa expõe as injustiças geradas pelo próprio Poder Judiciário.
O documento 16 Medidas contra o Encarceramento em Massa foi produzido no formato necessário para apresentação de projetos de lei ou resolução na Câmara ou no Senado e consolida sugestões de mudanças para o Código Penal, para o Código de Processo Penal e para a Lei de Execução Penal, entre outras leis do sistema de Justiça.
“[O conjunto de propostas] se baseia na questão prisional que o Brasil vive hoje. É um problema que tem como causa a prisão e que deve necessariamente passar por um processo de desencarceramento, se é que nós queremos achar uma solução”, disse Cristiano Maronna, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
Segundo o instituto, o país enfrenta ciclos de rebeliões e massacres em presídios há pelo menos 25 anos, quando ocorreu o caso Carandiru, em São Paulo. Entre as mais de 500 mil pessoas presas, mais de 30% ainda aguarda julgamento, segundo dados do Ministério da Justiça. “Na nossa avaliação, qualquer outra medida que não seja identificada como uma medida desencarceradora, vai agravar o problema”, disse.
Impacto orçamentário
Uma das principais sugestões do documento, de acordo com o presidente do instituto, é que, cada proposta que crie crimes ou aumente penas seja analisada do ponto de vista do impacto orçamentário, para que o legislador pense mais profundamente nas consequências das alterações das leis. “A crítica que nós fazemos é que o Congresso Nacional, como regra, ao mexer na lei penal, opta sempre pelo caminho repressivo, por agravar penas, por criar novos crimes, por tornar a execução da pena mais dura. Essa linha de atuação tem se mostrado um fracasso”, disse Maronna.
Para o especialista, quanto mais se prende, mais o crime organizado se fortalece. Ele diz que a insegurança tem uma relação direta com o índice de encarceramento. “Hoje nós já somos a quarta maior população prisional do planeta, nós já temos hoje um déficit de aproximadamente 300 mil vagas. A situação dentro do sistema prisional já é de grave violação de direitos humanos e é preciso então dar um basta a esse ciclo encarcerador”.
Segundo Maronna, há muitas pessoas na prisão que não deveriam estar lá. O documento propõe que medidas alternativas à prisão sejam utilizadas com mais frequência e que a cultura judicial seja transformada para que o ciclo de encarceramento seja interrompido.
“A gente propõe também a criação de ouvidorias do Ministério Público e no Judiciário, que hoje não existem. A gente propõe uma série de limitações, como a limitação temporal da investigação, então qualquer investigação não pode ultrapassar o prazo de 720 dias. Nós também estamos limitando temporalmente a prisão cautelar, em um prazo de 60 dias, que pode ser renovado”, disse.
Navio negreiro
Para Débora Maria da Silva, do Movimento Mães de Maio, quem está atrás das grades atualmente são os negros, pobres e moradores de periferias. “O sistema prisional não passa de um navio negreiro”, disse. “A minha fala é para provocar sim, porque eu senti o que é a criminalização da pobreza. Primeiro eles encarceram meu filho. O meu filho passou dois anos e três meses encarcerado, sendo inocente, e depois quando ele saiu para a rua ele recebeu a pena mais outra vez, uma pena punitiva, essa pena de morte”.
Débora é mãe de Edson Rogério dos Santos, morto em maio de 2006 após ser abordado por policiais. Naquele mês, houve ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado de São Paulo. Em resposta, agentes do estado e grupos de extermínio saíram às ruas para retaliação e aconteceram mais de 500 execuções.
“É necessário que se discuta o sistema prisional no país. É necessário que a gente faça e grite pela reforma do Judiciário, porque o Judiciário não pode ser elitista, o Judiciário não pode ser racista, o Judiciário não pode ter dois pesos e duas medidas, doa a quem doer”, disse Débora. “Que lei é essa que nos pune? Que lei é essa que uma mãe pare um filho algemada? Que lei é essa que uma mãe que tem filhos menores não pode cuidar dos seus filhos? Mas a mãe rica pode cuidar dos seus filhos”.
Elaborado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em parceria com a Pastoral Carcerária, Associação Juízes para a Democracia (AJD) e Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEDD/UnB), o documento tem o apoio de mais 30 instituições. (Agência Brasil)
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