O caso foi descoberto esta semana quando 31 trabalhadores em condição análoga a de escravos foram resgatados em Nova Maringá (MT), a (369 km de Cuiabá), em uma ação conjunta da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso (SRTE/MT), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Gerência de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil.
As vítimas trabalhavam no manejo da soja para a multinacional chinesa COFCO Agri, indústria de processamento de produtos agrícolas com sede nacional em São Paulo e instalações em todo o país. Além dos 30 trabalhadores resgatados, um está em tratamento de saúde por ter sofrido acidente de trabalho e segue vinculado à empresa. A COFCO foi autuada pela SRTE na quarta-feira (5) passada.
A procuradora do Trabalho Lys Sobral Cardoso, representante regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE) do MPT, esteve no local e ressalta que o caso atrai uma atenção particular por envolver várias nuances do trabalho escravo contemporâneo. Ela cita o aliciamento de trabalhadores, a precariedade dos alojamentos, a falta de saneamento básico e água potável, a falta de assistência médica, as ameaças de agressão física, que chegaram a acontecer; a jornada exaustiva, o isolamento geográfico e a restrição à locomoção, além do grande número de envolvidos e de ter sido o sindicato um dos exploradores dessa forma de trabalho.
“Fica evidente a completa vulnerabilidade do trabalhador. Mesmo passados mais de 20 anos do reconhecimento da existência de trabalho escravo contemporâneo pelo Brasil e da criação de diversos meios de combate, que tornaram o país uma referência internacional no assunto, ainda se veem casos como esse.
Os 31 trabalhadores foram recrutados pelo Sindicato dos Trabalhadores de Movimentação de Carga de Nova Maringá, a pedido da COFCO Agri, com base na “lei do avulso” (Lei nº 12023/09). A lei, entretanto, não foi cumprida, sendo configurada, segundo a equipe de auditores-fiscais na ação, fraude na relação trabalhista autônoma por ela preceituada.
Diante das irregularidades, comprovou-se a nulidade do contrato entre a empresa e o sindicato e todos os trabalhadores tiveram o vínculo empregatício reconhecido com a COFCO. A multinacional teve que se responsabilizar pelos direitos trabalhistas previstos na CLT (decreto-lei nº 5.452/43) e restituir financeiramente as vítimas, na íntegra, no ato de rescisão contratual conduzido pela equipe de fiscalização.
A equipe constatou que havia vítimas em situação degradante há cerca de um mês, enquanto outras tinham sido contratadas quinze dias antes do resgate. Outro grupo maior e com maior tempo de vínculo já havia sido dispensado pelo sindicato. As contratações no período de safra geralmente são de até 60 dias.
Irregularidades – O primeiro direito desrespeitado foi o acesso à informação. Os associados ‘arrebanhados’ não tinham clareza de seu salário, nem sabiam, muitas vezes, que não teriam carteira assinada (considerada a modalidade ‘trabalhador avulso’).
Via de regra, o trabalhador era contratado para uma jornada de oito horas diárias (44 horas semanais são o máximo permitido por lei), para esforço físico em lavoura, a um salário de R$ 1.300,00. Mas não havia transparência no pagamento de horas extras em caso de ‘dobra’ (o empregado trabalha, neste caso, 16 horas seguidas), nem era concedido o ‘descanso semanal remunerado (DSR), que corresponde à metade do sábado e a todo domingo. Observa-se que, tendo em vista o grande esforço físico exigido pela atividade, essa ‘dobra’ é proibida por caracterizar ‘jornada exaustiva’.
O descanso intrajornada também foi desrespeitado. A legislação assegura um intervalo de uma a duas horas para cada jornada superior a seis horas totais, todavia ao trabalhador eram concedidos apenas 20 a 30 minutos, contando o tempo de deslocamento até o refeitório. Houve registro, ainda, de que a alimentação fornecida era de má qualidade.
Outra situação que configurou a condição análoga à de escravo foi o alojamento inadequado.As vítimas também relataram assédio moral, ameaças e até violência física promovidos pelo feitor.
Havia cartazes no alojamento “proibindo greves”, com multas impostas, numa clara atitude antissindical, ironicamente vinda de um sindicato. Um dos trabalhadores sofreu acidente de trabalho e não houve a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), mesmo sendo esta obrigatória.
Todos os trabalhadores tiveram calculados pelos auditores-fiscais as verbas rescisórias de direito, sendo o caso considerado como de ‘rescisão indireta por justa causa’, quando o empregador é quem cometeu a irregularidade. O trabalhador que sofreu acidente está recebendo completo atendimento em saúde. (Carta Campinas com informações do MPT e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho)