Meus olhos não alcançam todos os cantos da cidade, por isso entrego meu destino à mão amiga para conhecer outros saberes e outros sabores. Minha história começa com Fabrício levando-me para sentir alguns temperos que reinam escondidos pelas ruas íngremes da Vila Industrial de Campinas, e termina com a troca de ideias com a jornalista e militante Thalyta Martina. Desses encontros, surge a ideia de divulgar, por meio das percepções dessa jovem comunicadora popular negra, “O acarajé baiano em Campinas”. Bom apetite! (João Neves)
O acarajé baiano em Campinas
por Thalyta Martina
Na Vila Industrial, em Campinas, tem um lugar que abriga o “Projeto Saberes e Sabores”, coordenado pelo chefe Marcelo Reis, natural de Itabuna, na Bahia.
O projeto é importante peça na preservação da cultura negra do nosso estado e, além de promover constantemente a cultura gastronômica afro-brasileira e africana com seu cardápio variado. Abriga também outras discussões importantes através de saraus, encontros, cursos ou oficinas.
Além do acarajé, no cardápio também tem o bolinho de feijoada, bobó de camarão, Ximxim de Galinha, Moqueca, Caruru, feijoada, bolinho de moqueca, entre outras delícias da cozinha africana.
Como mulher negra, nessa sociedade que procura anular a nossa raça e tudo relacionado a ela, é importante pra mim conhecer lugares que tenham essas vertentes, abrigue e promova essa condição. Além disso, é importante levar isso para espaços em que é mais evidente essa anulação, estou me referindo ao meio acadêmico. A porcentagem de negros na minha universidade, principalmente nos cursos mais concorridos é vergonhosa. Por isso, eu procuro levar minhas raízes, expor a luta dos meus nesses espaços. Dessa intenção que surgiu a ideia de visitar o espaço e mostrar a dinâmica dessa atividade tão importante.
Recomendo para quem quer, mais do que saciar a fome, ter uma experiência gastronômica sensorial, a qual pode ser bem explicada pelo chefe durante a refeição.
O espaço é recheado com quadros, histórias, livros, flores e bebidas. Tem a opção de sentar no local aberto e observar o céu e as coloridas xitas. Há a opção de estar perto do chefe ou mesmo de saborear em uma das salas com quadros da cultura negra, tanto do nosso país, quanto do continente africano.
O chefe que cozinha na Rua Garça, número 43, é da Bahia e teve o primeiro contato com a cozinha com a avó, aos 13 anos. Sendo a avó uma pessoa religiosa, é impossível que o chefe, também religioso, pense na comida fora dessa lógica, e é aí que entra o respeito pelo ritual de cozinhar esse tipo de prato.
Acompanhei o chefe ao tradicional Mercado Municipal de Campinas, vi o processo de escolha dos ingredientes e a relação de fidelidade com os fornecedores. O tomate tinha que ser verde pra não soltar muita água, o camarão precisava ter o corpo para não ficar mesquinho, a ponta do quiabo tinha que quebrar pra garantir qualidade e o feijão também era específico.
Um pouco mais tarde, naquele mesmo dia, voltei ao espaço pra jantar e fui recebida com um sorriso radiante do chefe Marcelo que carregava imponentemente um turbante vermelho. Ele estava preparando a massa do acarajé, e eu pedi pra acompanhar o processo. Tinha que bater a massa para fermentar, por a cebola no dendê e ter um cuidado especial na hora da montagem do prato. Vatapá, caruru, tomate, camarão, cebola, pimenta: uma mistura farta e saborosa que eu comi de olhos fechados (figura 2). Me pareceu poesia, daquelas que devem ser lidas com calma e muitas vezes, como eu bem fiz depois daquele dia. Pareceu também um pedaço da Bahia, que eu tive oportunidade de visitar uns meses antes desse fato.
Maiores informações:
Espaço Saberes e Sabores
Rua Garça,43 – Vila Industrial, Campinas/SP.
Whatsapp: 19 99543-1772.
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