Por João Neves
[…]when suddenly a white rabbit with
pink eyes ran close by her.
Na quinta-feira, 9, no SESC Campinas, tivemos a oportunidade de assistir a produção musical de Alice Caymmi, a qual percorre, como a criança da famosa literatura inglesa, por percursos fabulosos. Trabalho com belas feições, mas com claras obviedades. A cantora, acompanhada de uma exímia banda e diante de um público contido, majoritariamente composto por jovens, entre 20 e 30 e poucos anos, e outros tantos sessentões, apresentava sua viagem pelo universo da moderna música popular brasileira.
A proposta performática e a faixa etária presente no show revelam, em conjunto, os diálogos travados pela artista com sua geração. Afinal, aqueles que nasceram entre as décadas de 1980 e 1990, cresceram ouvindo boa parte das canções ressignificadas em sua apresentação/disco/DVD/business. Víamos, quando crianças, nossos familiares rememorarem sua juventude ao som de Maria Bethânia, Caetano, Gil, Marisa, Liliam, dentre outros produtos da Indústria Fonográfica nas quatro últimas décadas do século XX. [Talvez fomos @s últim@s pirralh@s a serem proibidos de chegarem perto dos tocas discos Philips.]
A estratégia que possibilita o encontro geracional foi assertiva, pois, por meio de releituras e remodelações sonoras, inflamadas pelas experimentações do mais atual som eletrônico, faz corpos e memórias se remexerem. Mais uma vez a Universal Music, com sua equipe de bem pagos produtores, “acertaram na mosca”. E ninguém melhor do que uma Caymmi, ou melhor, uma jovem Caymmi, a qual se enxerga parte de uma dinastia [ – e isso foi reafirmado ao final de cada canção] , para realimentar a cambaleante indústria fonográfica.
Nascida e criada no país das maravilhas da indústria cultural brasileira, dispensando os convites de qualquer coelhinho apressado, a cantora sustenta a família e seu reinado. A voz modulada, tecnicamente trabalhada pelos melhores artífices da indústria, a coloca em evidência e lhe possibilita prestígios. Com isso, a cantora brinca e “tira onda” no palco, se diverte com a permissividade de ser uma Caymmi.
Apesar dos pesares, o show da noite passada mostrava as experiências acumuladas pela jovem com o espetáculo, registrado em disco e DVD, “Rainha dos raios”, bem como adiantava as novas experimentações que a cantora promete para lançamentos futuros. Os holofotes são frutos das “curtidas” alcançadas por este trabalho assinado em 2014 em conjunto com o jovem Diogo Strauz.
Em “Rainha dos raios”, Alice, nos país das maravilhas, se lambuzou com o que há de melhor e pior entre os variados produtos gerados pela indústria fonográfica brasileira nas décadas passadas. Tudo isso graças – importante ressaltar – as (re)composições feita por Strauz [percebi que ele não participava na noite passada do seleto grupo de músicos que acompanhava a cantora¡!]. O show, como o disco, é obvio. A performance procura remodelar lembranças ao fustigar emoções do passado. Não daria errado. Os novos beats e dubs, somados a outras provocações melódicas inseridas nas canções, agradam os jovem gregos, enquanto as letras, preenchidas por reminiscências, emocionavam os troianos sessentões.
Já conhecia o trabalho pelo disco e também já havia visto o show via Youtube, por isso não esperava grandes surpresas. No entanto, Chocolate, o baterista, me animou. Músico que faz jus a suas referências estilísticas. Ataques e viradas impressionantes na bateria. Apesar de deixar a princesa Alice desconcertada, o rapaz preenchia as canções de maneira impressionante.
Voltemos à atriz principal.
O figurino de Alice, um maiô, pensado por cabeças da moda em meados dos anos 60, se mistura com intervenções estéticas em cores pink no cabelo, nos brincos e no colar. A proposta visual reafirma, portanto, as citações, à la a moda retrô, da artista, a qual redesenha, para vender, nos corredores das majors, as imagens do passados.
O cenário, por sua vez, não trazia nenhuma referência que nos inquietasse. Pelo contrário, houve um descompromisso com as imagens do palco, de modo que a banda simplesmente formava uma meia lua – bateria no canto esquerdo, seguido por baixo, guitarra e ao final teclado lado à lado com o computador. Nada parecido com as provocações visuais apresentadas no show gravado. Quiçá, o espetáculo vendido para o SESC se limitava a esses acordos.
A princesa Alice, nascida e criada no fabuloso mundo do mercado fonográfico, não entrou nesse paraíso por meio das excitações de algum coelhinho, tampouco se amedrontou durante quedas livres ou efeitos de poções mágicas como seus antepassados, afinal ela se criou entre as grades do imaginário universo perfeito do mercado da música brasileira.
Suas primeiras aparições como artista na Globo, ao lado do Pai e da Tia, sustentam minha chatice. Seu primeiro disco foi bancado pela pequena Sony Music e o segundo, no qual tive o prazer de ir ao show, foi relançado pela outra nanica, a Universal Music. Sua performance, suas escolhas e intervenções estão agenciadas pelas fantasias da Sony/Universal Caymmi Music Entertainment. Até mesmo a novas experimentações, as quais estão de fora do disco “Rainha dos raios”, são releituras de músicas estrangeiras consagradas pelo mercado – Paint it Black (Rolling Stone), My baby shot me down (Nancy Sinatra), I fell love (Donna Summer), Always on my mind (Elvis Presley).
Saia do espelho azul, menina! Enquanto vemos a produção independente dinamizar, provocar, desconstruir, criticar e remexer as estruturas, nossa querida Caymmi senta em seu confortável trono e lança beijos para o seu sonhado fã clube.
“It was a curious
dream, dear, certainly: but now run in to your
tea ; it ’s getting late.” So Alice got up and
ran off, thinking while she ran, as well she
might, what a wonderful dream it had been.”
nAs BoRDAs do mUndO EnCAntaDo de Alice…
João Augusto Neves Pires é historiador e membro do grupo de Pesquisa em Música Popular: História, Produção e Linguagem da Unicamp e do Coletivo de Mídia Livre Vai Jão.
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