Por Wanderley Garcia
O uso da força não se dá por acaso. Ele faz parte de um contexto em que a ordem, direta ou indiretamente, parte de cima. A licença para o uso da força em contraposição à sociedade de direitos partiu do golpe dado contra a autoridade máxima do país. Quando derrubam, sem crime de fato, a presidenta da República, ninguém abaixo dela pode se sentir protegido.
As forças de inspiração fascista pareciam extintas há alguns anos, mas revelaram estar apenas em estado de hibernação à espera do momento propício para ressurgirem. O marco deste despertar se deu com as manifestações de junho de 2013, mas é agora em 2016 que sua brutalidade vem à tona de maneira explícita.
O que faz um artista pensar que pode escapar imune ao apresentar uma peça em praça pública com crítica à ação violenta da polícia num país com golpe de Estado? Não há mais necessidade de mandado, de Ministério Público, de Justiça. Basta uma interpretação do comandante da PM de plantão para interromper uma apresentação artística e levar preso seu ator. O motivo alegado? Desrespeito a símbolo nacional. Com todo respeito à bandeira, ao hino, ao brasão, mas para mim, o maior símbolo deveria ser a Constituição.
Em vários estados estudantes ousam enfrentar a truculência de uma Medida Provisória que modifica sem o menor diálogo a educação básica. Ocupam as escolas e são retirados pela força policial. Surge um juiz, no Distrito Federal, que determina táticas de tortura para conseguir a desocupação.
Neste momento, as instituições passam a servir ao oposto de sua finalidade, passam a ser instrumentos da repressão. E todas as conquistas da Constituição de 1988, conseguidas com o sangue derramado dos que lutaram contra a ditadura, podem ser ignoradas solenemente. Não há mais garantias. A força se instala como poder de fato, uma vez que o princípio democrático já foi rompido. O primeiro ato do golpe foi o que inaugurou o regime da força. Depois dele, vêm todos os outros, subordinados, numa triste e tenebrosa cascata.
Também a partir de 1964, a força foi aumentando de intensidade. A deposição do presidente João Goulart, articulada pelas Forças Armadas com forte apoio de setores civis, teve como sucessor imediato um civil, Ranieri Mazzili. Era o presidente da Câmara e governou por duas semanas. O poder de fato já era exercido pelos militares, mas a posse de um militar na presidência ocorreu em 15 de abril com Castelo Branco. A linha dura do Exército só toma frente em 1967 e o AI-5, o mais duro ato da ditadura, veio no final de 68, quase cinco anos depois da derrubada do presidente legítimo.
Agora a força cresce sistemática e continuamente. Primeiro na ação parlamentar-jurídico-midiática que derrubou Dilma. Depois, na truculência das ações do golpista Temer ao ignorar todas as instâncias de diálogo e promover uma radical ruptura nos rumos do país sem respaldo eleitoral. A PEC 241 (55) do fim do mundo, aprovada a toque de caixa na Câmara, e uma Medida Provisória que altera a educação são sinais claros à sociedade de que o diálogo chegou ao fim.
Se não há diálogo lá em cima, cá em baixo, não tenhamos ilusões, a língua será do cassetete, da bala de borracha e da bomba de gás. Isto se não retrocedermos ainda mais, com a força bruta descendo aos porões que acreditávamos estarem para sempre soterrados.
Não vejo saída fácil. O recado da força está dado. Os que estavam adormecidos acordaram com sede de violência e estão decididos. Os que buscavam uma cultura de paz e de democracia, estão atordoados e ainda não sabem que rumo tomar.
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