Por Verônica Lazzeroni Del Cet
Doce Literatura –Há muitas maneiras de fazer alguém entrar em contato com a literatura, sendo canônica ou não. Porém, entrar em contato com a literatura a partir do consumo de doces pode parecer estranho e praticamente inviável, caso pensado no objetivo que cada um tem: o doce servindo de alimento ao corpo e a literatura servindo de ‘alimento’ ao conhecimento.
Mesmo sendo uma ideia diferente e aparentemente sem nexo, é possível de acontecer, basta conhecer os brigadeiros literários ou as palhas poéticas e, também, encontrar as criadoras dessas ideias, Gianne Pereira e Júlia Dias.
Gianne Pereira começou a vender os brigadeiros literários pensando na necessidade de pagar as viagens até a faculdade, uma vez que morava em São José dos Campos e as passagens de ônibus de lá até Campinas não eram baratas. Depois de uma curiosa sugestão de seu marido e ajuda relevante de sua mãe, os brigadeiros literários surgem e seu crescimento e disseminação só aumentam. Contudo, a ideia de vender brigadeiros e incluir literatura surgiu de sua vontade de vender os doces de uma forma diferente, pensando também em oferecer uma porta de acesso à literatura.
Na preparação dos doces, a mãe de Gianne, Roseli Ribeiro Pereira, ajuda até os dias de hoje. “O toque especial vem da minha mãe, ela ajuda muito. Não tem nenhum ingrediente especial, ela fala que é o amor”, conta Gianne. Não só o sabor caseiro do brigadeiro atrai a clientela, mas as frases literárias selecionadas por Gianne, as quais vêm junto com o doce e após o consumo podem ser usadas como marca página, visto que são impressas em cartolinas coloridas e por isso tem durabilidade garantida. “Dei uma pesquisada sobre literatura e doce e nunca vi nenhuma ideia como essa. As pessoas adoram e o valor também é maravilhoso”, diz.
Após levar para a faculdade – quando inicia o curso de Letras, sua segunda graduação, –, e os amigos descobrirem a deliciosa combinação, as vendas começam a crescer mesmo não sendo um brigadeiro nada gourmet, segundo Gianne.
A partir disso, pensando em ampliar seu lucro e ajudar um pouco mais com as passagens de ônibus, ela começou a vender também em sua cidade, para restaurantes e lanchonetes. “Fazia entregas semanais e o feedback nos dois lugares foi o mesmo; sabor do brigadeiro e a inovação da literatura”, conta.
Tal inovação também está presente nas palhas italianas, doces preparados por Júlia Dias, estudante de Letras na Universidade Estadual de Campinas e que começa a praticar a venda de palhas pensando também em auxiliar com gastos diários que tem na faculdade, como com pequenas compras ou na alimentação semanal. “A ideia de vender palhas italianas surgiu com a necessidade de complementar a renda, além disso, eu gosto muito de cozinhar e sempre tive vontade de fazer alguma coisa nesse âmbito”, conta Júlia.
E mesmo que tenha criado uma página no facebook para divulgação das palhas poéticas, seu objetivo não é fazer suas vendas crescerem, mas sim divulgar as poesias que ela coloca junto com as palhas, poesias essas que são escritas pelos próprios alunos de Letras do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Unicamp.
A ideia de conferir visibilidade a tais alunos foi parte importante de seu processo criativo, afinal, oferece uma chance a muitos talentosos escritores não conhecidos. “Pode-se dizer que eu tive uma ideia criativa em vender palhas italianas com poesias, ainda mais quando são poesias marginais e não-canônicas escritas pelos próprios alunos da faculdade de Letras”, diz Júlia.
E embora a criatividade tenha sido uma importante aliada para fazer dar certo tanto os brigadeiros literários de Gianne, quanto as palhas poéticas, Júlia acredita que não foi apenas a criatividade que a ajudou. “Tal processo criativo não surge do nada, é fruto de experiências com poesia, contatos com poetas, além da prática da culinária”, comenta.
Nesse contexto, a escolha de frases e poesias pode ser uma tarefa difícil, em virtude das excelentes opções que a literatura oferece ou mesmo os escritos de alunos do IEL. Para as duas idealizadoras a escolha de doces pelos compradores se tornou algo curioso de se notar. “Tem gente que compra só pela frase”, comenta Gianne.
Além disso, ela acrescenta que se preocupa em colocar junto dos brigadeiros frases reflexivas, servindo como uma nova forma de disseminar a cultura. Para a seleção de frases, Gianne escolhe textos que a impactaram. “Autores canônicos, com frases que já circulavam. Depois comecei a procurar frases de livros que lia”. E durante todo esse processo trabalhoso e que necessita de tempo, ambas se aproximam ainda mais da literatura. “Por mais que conhecemos a frase, consigo pensar em novas interpretações, o contato com a literatura se intensifica”, diz Gianne. Júlia ainda complementa: “é uma opção e uma experiência que tenho vivido que pode me auxiliar no futuro”, diz.
E mesmo com a falta de tempo e muitos afazeres, ambas idealizadoras estão oferecendo ideias importantes e que estão servindo como chances de aumentar o contato com a literatura, pensando em públicos que estejam fora da vida acadêmica. “Vendi brigadeiros literários para alunos e eles refletiam e percebiam que o poema não era difícil”, conta Gianne. Tanto as palhas italianas, como os brigadeiros literários não adquirem apenas um valor econômico contribuindo como parte da renda de cada uma, mas contribuem para o crescimento individual também. Ademais, o preço acessível é uma porta de entrada para instigar cada vez mais as pessoas estabelecerem o contato com a literatura.
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