Por Vicenç Navarro / Publico.es
Hoje, a notícia mais importante que existe nos Estados Unidos é que um candidato à presidência do país, que se apresenta como socialista – sem temores, com orgulho de sê-lo –, e que pede uma revolução política no país, utilizando essa expressão em cada um dos seus atos eleitorais, está causando um tsunami eleitoral semelhante ao que ocorreu na Espanha com o Podemos, ou com o candidato trabalhista britânico, Jeremy Corbyn. Na primeira batalha das primárias, há alguns dias atrás, em Iowa, o candidato socialista Bernie Sanders empatou com a candidata claramente apoiada pelo aparato do Partido Democrata, a Sra. Hillary Clinton, que conta principalmente com a bendição do establishment político-midiático do partido. E essa quase vitória de Sanders, o candidato socialista, ocorreu apesar da clara hostilidade que ele sofreu por parte dos maiores meios de informação do seu país – tal como ocorre com o Podemos na Espanha e com Corbyn no Reino Unido, para ficar em apenas outros dois exemplos.
O surgimento deste movimento antiestablishment nos Estados Unidos, liderado por Bernie Sanders, também tem características semelhantes ao que sucede na Espanha e no Reino Unido, e responde a uma situação comum nos três países: as classes populares estão cansadas do conchavo entre os interesses econômicos e financeiros das grandes empresas, que constituem a classe corporativa, por um lado, e as instituições representativas desses mesmos interesses por outro – as mesmas que se tornaram meros instrumentos de tal classe. Tal situação foi possível devido à privatização do processo eleitoral nos Estados Unidos, onde todo candidato a um cargo político pode receber todo o dinheiro que sua campanha puder arrecadar, e financiar suas campanhas através dos chamados Super PACs, que permitem que se compre todos os espaços televisivos que quiser, sem que exista nenhuma regulação ao acesso a tais meios. A maioria dos fundos que a classe política recebe provém das grandes empresas, do 1% mais rico da sociedade, os que controlam também a maioria dos meios de informação e persuasão do país.
A consequência deste conchavo entre o mundo do capital e as instituições políticas é que as políticas aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos – hoje controlado pela ultradireita estadunidense, um setor financiado massivamente por Wall Street – favorecem sistematicamente os interesses desse capital, e prejudica o mundo do trabalho, composto pela maioria das classes populares dos Estados Unidos.
Tal situação também afeta grande parte do Partido Democrata. Foi precisamente o presidente Bill Clinton que desregulou a banca (tendo como ministro de Finanças o Sr. Robert Rubin, um dos maiores banqueiros de Wall Street), criando as bases para que surgisse a maior crise financeira que o país já viveu desde a Grande Depressão. A mais recente crise criou uma grande queda no nível de vida das classes populares, e ao mesmo tempo aumentou as desigualdades existentes no país. Como constantemente aponta Bernie Sanders, “apenas um décimo desses 1% mais ricos do país 90% das riquezas estadunidenses”. E os dados, facilmente acessíveis, comprovam a veracidade e a credibilidade dessa mensagem.
A revolta popular contra o establishment político-midiático
Resultado dessa situação, a legitimidade e popularidade das instituições políticas caíram até o chão. A enorme abstenção no processo eleitoral – verificado principalmente entre as classes populares – é um indicador dessa perda de fé nas mesmas. O slogan “não nos representam” ressoou tanto no 15M espanhol quando nos Estados Unidos, através do movimento Occupy Wall Street. Por isso o chamado de Sanders a uma revolução política que rompa com o conchavo entre a classe corporativa e as instituições que se definem como democratas são um elemento central do seu discurso. Sua tese é a de que sem essa revolução política será impossível fazer as mudanças políticas que ele está propondo, que são medidas típicas da social democracia – antes desta se transformar em social liberalismo, como ocorreu na maioria de países europeus, e em alguns da América Latina.
As propostas do candidato socialista
Entre as propostas de Sanders, estão a de romper com os grandes bancos, dividindo-os em entidades menores, além de fazer com que eles devolvam o dinheiro dado como resgate para salvá-los do colapso durante a crise de 2008, o que foi feito com fundos públicos. Essas medidas são altamente populares. O senador também tem em seu programa, como propostas principais, a de fazer um investimento massivo em obras públicas, facilitando a transição das fontes de energia, passando de uma matriz baseada em combustíveis fósseis a uma voltada a fontes renováveis – propondo criar 13 milhões de postos de trabalho através dessa política –, e a de estabelecer uma reforma da saúde mais profunda que a de Obama, para garantir a universalidade do acesso ao sistema – hoje, nos Estados Unidos, há mais mortes por falta de acesso à saúde que pela AIDS, por exemplo. O grau de cobertura de saúde no país é muito insuficiente: 45% das pessoas que estão sofrendo de doenças terminais expressam preocupação sobre como eles mesmos e seus familiares pagarão as dívidas médicas.
Outra proposta com grande respaldo anunciada pelo candidato Sanders é a de realizar as reformas que permitiriam o acesso a todos os níveis do sistema educativo, desde as escolas infantis até as universidades. O acesso aos centros de educação infantil e escolas de ensino fundamental e médio tem diminuído entre as classes populares de forma bastante evidente, especialmente devido ao encarecimento das mensalidades. Talvez seja essa a medida que mais contribuiu para que cerca de 80% das pessoas entre 18 e 30 anos apoiassem Sanders nas primárias de Iowa. A nível nacional, segundo a maioria das pesquisas, uma porcentagem semelhante de jovens pais apoia Sanders. Por outra parte, segundo as últimas medições citadas pelo Financial Times (no dia 06 de fevereiro), Clinton e Sanders estão hoje tecnicamente igualados em apoio entre os membros do Partido Democrata – Clinton teria 44% e Sanders 42%. (texto integral)
Vicenç Navarro é catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona. Professor de Ciências Políticas e Sociais na Universidade Pompeu Fabra de Barcelona e professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA).
Tradução: Victor Farinelli