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Mar de lama: a consequência ambiental da Samarco

Quem chega em Gesteira, distrito rural no município de Barra Longa (MG), nunca vai imaginar que antes passava um córrego com água cristalina e havia um campo verde amplo na frente, onde bois e cavalos pastavam. Porque quem chegar hoje em Gesteira não verá um pasto, nem um animal ou um riacho. Verá apenas uma gigantesca lagoa de barro escuro onde antes era um vale. Os moradores descrevem para mim, entre o luto e a saudade, a paisagem onde cresceram e que, provavelmente, nunca mais verão na vida.

“Antes esta paisagem daqui era tudo verdinho com uma pastagem e tinha um rio com água clarinha. Acabou tudo” ,  diz o morador de Gesteira Claudiano da Costa.

Mais de dez dias após a queda das barragens da mineradora Samarco, ainda se desconhece todas as extensões do impacto ecológico liberado na forma de 62 milhões de litros de lama residual da mineração. O barro de rejeitos saiu de Bento Rodrigues, na cidade histórica de Mariana, em Minas, e ainda percorrerá mais de 850 quilômetros até chegar ao mar, deixando um rastro de destruição à fauna, à flora e às comunidades que estiverem em seu caminho. Só é preciso observar a área destruída  – seja do leito do rio, seja do espaço  –  para compreender que é um dos maiores desastres ambientais na história do Brasil.

No entanto, ainda há muitas perguntas buscando entender como esta tsunami de lama afetou todo um ecossistema. Aqui está um panorama do que já sabemos.

Lama tóxica?

Para ter compreensão do impacto é preciso primeiro entender qual é o conteúdo da enxurrada de lama que vem das minas. Segundo a mineradora Samarco, as barragens apenas continham rejeitos de minério de ferro e manganês, misturados basicamente com água e areia. A empresa insiste que o material é inerte, não causando danos ao ambiente ou à saúde. No entanto, análises do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guandu (ES) mostram a presença de diversos metais pesados na água do Rio Doce, como arsênio, mercúrio e chumbo.

Estes elementos são extremamente tóxicos ao ambiente e à saúde humana, sendo absorvidos nos corpos dos diferentes organismos e dificilmente eliminados. Normalmente, eles acumulam nos tecidos de seres vivos e, com o tempo, na própria cadeia alimentar. Ao ingerir a carne ou folhas contaminadas, o metal pesado não é processado, envenenando o bicho ou pessoa que consumiu a comida intoxicada. Com o tempo, os metais pesados podem gerar problemas sérios à saúde, como câncer, úlceras e danos neurológicos.

Na tarde de sábado (14), o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), apresentou um laudo da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) negando a existência de metais pesados na água e contrariando os laudos de Baixo Guandu.

Na quinta-feira (12), uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também foi coletar amostras da lama e da água no Rio Doce para apurar o grau da devastação e verificar, entre outros aspectos, a presença de metais pesados. Ainda resta esperar os resultados da investigação dos cientistas mineiros, que devem chegar no decorrer da semana.

No entanto, mesmo sem arsênio e mercúrio e ao contrário do que a mineradora sugere, a lama está longe de ser inofensiva. Apesar da presença do ferro e manganês não significar um perigo à saúde, esses elementos causam consequências profundas à terra.

“O ferro (e o manganês) tem uma facilidade muito grande de reação, sendo um ligante por sua própria natureza. No caso, essa lama vai formar uma capa muito dura devido à presença do ferro. A tendência é fazer uma ligação muito forte e ficar sobre a superfície formando uma crosta” , diz a professora do Instituto de Geociências da UFMG e especialista em geologia ambiental Leila Menegasse. Segundo ela, esta cobertura poderá impedir a infiltração da água e também cobrirá a própria vegetação, tornando o ambiente estéril.

“As raízes ficam soterradas, desaparece a possibilidade da fotossíntese porque a água fica muito turva e as folhas ficam todas fechadas pela deposição de materiais. As plantas que entrarem em contato com essa lama certamente irão morrer”, acrescenta o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG Francisco Barbosa.

Rio Doce morto

Quem se aproximar do Rio Doce – seja em Minas, seja no Espírito Santo –, verá ele amarronzado, escuro e com diversos detritos boiando. Essa imagem não é apenas feia e desagradável, ela também é extremamente danosa à vida aquática. Esse barro, mesmo diluído, torna a água turva e barra a passagem de raios solares, escurecendo o rio e impedindo que algas façam fotossíntese. O baixo nível de oxigênio na água é insustentável para os animais, fazendo com que, em um ato de desespero, muitos peixes simplesmente pulem fora do rio.

Os mananciais oriundos do Rio Doce são usados para abastecer diversas comunidades rurais, seja para o uso pessoal, seja para irrigação de plantações ou consumo pelo gado. Essas comunidades rurais serão profundamente afetadas e não poderão recorrer ao rio mais. Mesmo considerando apenas a população urbana, a enxurrada de lama passa por, no mínimo, 23 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, o que representa meio milhão de pessoas com as torneiras secas.

A cidade mais afetada pelos rejeitos da Samarco é também a maior da bacia do Rio Doce: Governador Valadares, em Minas Gerais, com 280 mil habitantes. Mesmo a 300 quilômetros de Mariana, sua SAAE, em laudo preliminar da água, encontrou um nível de turbidez 80 vezes maior do que o tolerável, além de níveis de ferro que chegaram a superar 13 mil vezes o tratável. Esta condição insalubre do rio fez com que o abastecimento de água fosse cortado no último dia 8. Dois dias após a interrupção, a prefeita Elisa Costa (PT) declarou estado de calamidade pública.

“Todo dia este caos. Todo dia gente transportando água. Todo mundo carregando água como pode”, descreve Marcos Renato, habitante da cidade. Em longas filas, a população gasta horas em pontos de distribuição de água, sofrendo, além da seca e da sede, com as altas temperaturas. “Estamos atendendo normalmente nas unidades de saúde e nos preparando para possíveis doenças que venham a surgir pela falta de água e pelo uso da água contaminada. Enfim, a situação aqui não está nada fácil” comenta Flávia França, médica local e membro da Rede de Médicas e Médicos Populares.

Segundo a prefeitura do município, as companhias Samarco e Vale fizeram poucos esforços – e fizeram mal – para ajudar a população. Na manhã de sexta-feira (13), em nota, ela comunicou que a mineradora só tinha aceitado pagar os caminhões-pipa. Mais tarde daquele dia, a primeira remessa de água, com 280 mil litros, estava contaminada com querosene, não servindo para consumo.

A situação só começou a melhorar no sábado, quando o governador de Minas anunciou o uso de um coagulante que permitirá o tratamento da água. A substância facilita a separação da lama e da água, permitindo assim que ela seja filtrada e volte a ser potável. A expectativa é que o abastecimento na cidade retorne aos poucos a partir de hoje (16).

 

É importante lembrar que o rio não é só água em movimento, mas também funciona como transporte de nutrientes para o mar, que acabam sustentando diversos organismos. Coincidentemente, na foz do Rio Doce ocorre também o encontro de correntes marinhas do Sul e do Norte, formando um “rodamoinho” de água de cerca de 70 quilômetros de diâmetro. Esta área é rica em nutrientes e também reúne espécies marinhas de todo o mundo.

Por isso, segundo o diretor da Estação de Biologia Marinha, Augusto Ruschi, e o biólogo e ecólogo André Ruschi, a foz do Rio Doce se torna um dos maiores pontos de desova de peixes marinhos do mundo.

“É o maior criadouro do Oceano Atlântico. Todos os grandes peixes do oceano, do hemisfério sul e norte, vão para lá se reproduzir, sendo um fenômeno ímpar. É uma das regiões marinhas mais importantes do planeta e é a mais sensível de todas as da costa brasileira.”

A chegada de diversos rejeitos da mineração significa um risco para todo o ecossistema do oceano. Como ainda resta a chance da presença de metais pesados na lama, há a possibilidade de contaminação da imensa biodiversidade do local. Todos os seres vivos, desde o minúsculo plâncton ao gigante marlim, podem acabar envenenados por estes elementos. (Jornalistas Livres/ Caio Santos)

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