O número de chacinas – ocorrências com mais de três mortes – no estado de São Paulo este ano já se iguala à quantidade registrada em todo o ano passado. Um balanço feito pela Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo mostra que, até a última terça-feira (22), foram registradas 15 chacinas, com 62 mortes. Em 2014, foram 15 chacinas, com 64 vítimas.
Apesar de ser de partido de oposição ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e a presidente da República Dilma Rousseff, ambos do PT, não manifestam qualquer indignação com a situação. Em um país um pouco mais decente, o governo Alckmin já teria sofrido uma intervenção federal ou, ao menos, uma investigação federal. Há 20 anos governado pelo PSDB, o estado de São Paulo vive uma barbárie policial.
Este ano ocorreram ainda 120 assassinatos registrados nos boletins de ocorrência como crimes de autoria desconhecida – forma com que a polícia nomeia casos de homicídios com menos de três vítimas. De acordo com o ouvidor Julio Cesar Fernandes Neves, na maior parte dos casos, há indícios de execução. Em 2014, ocorreram 183 crimes de autoria desconhecida com 200 mortes.
“Em Osasco falaram em 19 [assassinatos] na chacina. Mas tivemos mortes por autoria desconhecida de cinco pessoas, entre a morte de Ademilson Pereira de Oliveira [policial militar] e a chacina propriamente dita [que pode ter ocorrido como vingança pela morte do policial], que eles não contabilizaram por ser autoria desconhecida, mas o modus operandi é o mesmo: tiro no rosto, no tórax, na cabeça”, disse, se referindo à chacina ocorrida no dia 13 de agosto.
“Com as autorias desconhecidas, você nunca fica sabendo quem é o autor. A polícia nega veementemente participar disso. Então sobra para quem? É como se fossem da bandidagem. Ficam casos que não elencamos naquela letalidade policial porque não fica definitivamente claro que foi [provocada por] policial militar”, disse o ouvidor.
Outro dado preocupante, de acordo com Neves, é o número de mortes ocorridas em confrontos com a polícia. No ano passado, foram 838 mortes. “Isso significa que foram mortos por agentes da polícia. É impossível, com 838 mortes, pensar que não existem grupos [organizados] como o do Butantã [episódio em que câmeras flagraram policiais matando um suspeito de roubo já rendido e jogando um segundo suspeito do telhado, desarmado]”, disse o ouvidor em entrevista à Agência Brasil.
Neste ano, já foram contabilizadas 571 mortes em confrontos com a polícia. Os números da Ouvidoria têm como base os dados informados pela Secretaria de Segurança Pública e pela Corregedoria, já somados os casos de agosto. “É um número altíssimo”, ressaltou o ouvidor. “Como no ano passado tivemos 838 [mortes], significa que estamos no mesmo patamar”, afirmou.
Outros números
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública faz comparações diferentes e fala em redução dos homicídios múltiplos. “Na capital foram 43 casos em 2002 contra sete no primeiro semestre de 2015”, disse o órgão. A secretaria contesta ainda a informação de aumento do número de mortes causadas por policiais. “A adoção de medidas para reduzir a letalidade policial pela Secretaria de Segurança Pública resultou na redução de 15% nas mortes decorrentes de intervenção policial militar de abril a julho deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado”, informou a nota.
Segundo a secretaria, isso ocorreu após a adoção de uma resolução (SSP 40/2015) que “garante maior eficácia nas investigações de mortes, pois determina o inédito comparecimento das Corregedorias e dos comandantes da região, além de equipes específicas do Instituto Médico-Legal (IML) e do Instituto de Criminalística (IC) para melhor preservação do local dos fatos e eficiência inicial das investigações”. Além disso, acrescentou o órgão, foi criado o Conselho Integrado de Planejamento e Gestão Estratégica “para coordenar as ações policiais e integrar os sistemas de inteligência das polícias, além de propor medidas para controle da letalidade policial”.
Em entrevista coletiva concedida na última sexta-feira (25), o secretário de Segurança Pública do estado, Alexandre de Moraes, negou que o número de chacinas esteja crescendo e que isso seja uma tendência.
Sociedade civil
Os números divulgados pela Ouvidoria são semelhantes aos de um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz, elaborado com base em informações obtidas, por meio da Lei de Acesso à Informação, na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
De acordo com a organização, no primeiro semestre deste ano, foram registradas 12 chacinas com 44 vítimas no estado de São Paulo – estão fora desse cálculo as chacinas de Osasco e Barueri, de 13 de agosto, e a de Carapicuíba, ocorrida no dia 19 de setembro. Do total de ocorrências do primeiro semestre, seis foram na capital, somando 26 vítimas. No mesmo período do ano passado, foram contabilizadas 13 chacinas com 40 vítimas – três desses episódios foram na capital, com nove vítimas.
“O número de chacinas, especificamente na capital, neste primeiro semestre de 2015, dobrou. Outro dado bastante preocupante é que o número de vítimas, também na capital, triplicou”, disse Bruno Langeani, coordenador do Sou da Paz.
Segundo ele, não é possível determinar o motivo do crescimento do número de chacinas na capital. “De qualquer maneira, esse dado preocupa porque se a gente olhar para além das chacinas, houve um aumento também do número de homicídios onde há indícios de execução, que é um tipo de informação que a Secretaria de Segurança Pública passou a divulgar há pouco tempo”, afirmou Langeani.
Entre janeiro e junho deste ano, 24% do total de homicídios da cidade de São Paulo tiveram indícios de execução, ou seja, uma em cada quatro vítimas de assassinatos foi executada. No ano passado, essa taxa era de 16%. “Isso mostra um crescimento bastante grande. E combinado com essa informação das chacinas, sugerem a existência de grupos de extermínio ou de matadores em ação”, acrescentou Langeani.
A ideia da existência de grupos de extermínio atuando no estado é contestada pela secretaria. “A SSP refuta a tese de grupo de extermínio nas corporações”, informou o órgão.(Agência Brasil; edição Carta Campinas)
Prova de que o ESTADO não é ineficiente. É conivente.