Por Luís Fernando Praga
Fiquei feliz por ter conseguido passar o último feriado em Franca, com meus pais, parentes e amigos. Voltar pra o meu berço, comer a comida da mãe e dormir na casa em que nasci, ver minhas filhas correndo e brincando no quintal em que corri e brinquei, tudo faz reencontrar meu passado e juntar as peças que me tornaram o que sou hoje.
Fui moleque do interior, que jogava bola na rua, corria descalço, tomava garapa, andava no mato a procura de lugares inexplorados, caçava grilos, lagartos e vagalumes pra compor o meu terrário, nadava em qualquer riacho, poça e até no poção mais fundo e cheguei, não nego, a ter um ranho que escorria pelo nariz, em certa idade.
Na escola eu era tímido e mediano nas notas. Calado, tinha poucos amigos no ensino fundamental, mas entrando no ensino médio a zoeira foi, “degavarinho” (como se diz lá em Franca), tomando conta da minha alma e algumas pessoas passaram a levar em consideração a opção de ficar perto de mim no recreio, falar um oi de vez em quando na rua e até conversar comigo nas aulas. Recebi as primeiras advertências dos professores, o que me colocou num outro patamar de popularidade na sala. Deixava de ser invisível para figurar no seleto grupo dos nerds engraçadinhos. Isso abriu novos horizontes na vida daquele menino caipira e me mostrou que socializar também podia ser bom, depois de ser constrangedor. Minha meta era estar entre os 10 mais populares do meio pra trás da sala e estou certo de que teria conseguido, mas o ensino médio acabou antes. Três anos passaram voando e eu concluí aquela fase da vida sem chegar ao “top ten” do fundão.
Entrei na faculdade e tratei de não cometer os mesmo erros do colégio. Reprovei em algumas matérias apenas para ter tempo de deixar o destino ter tempo de me colocar no lugar que era meu por direito. Frequentava todas as festas, fazia parte do centro acadêmico e era figurinha carimbada nos eventos culturais da faculdade. Quando dei por mim vi que o tempo voava e já estava concluindo o curso. Realizava um dos sonhos daquele molequinho caipira e me tornava um médico veterinário. Quanto à popularidade, eu finalmente ingressei no grupo dos nerds engraçadinhos universitários, que viviam numa realidade paralela à dos sertanejos universitários… nada muito popular.
De lá pra cá o tempo voou e eu continuei achando isso surpreendente e dizendo: “nossa, como esse ano voou!” para cada um desses mais de vinte anos que voaram.
Entre meu tempo de escola e hoje, a ditadura caiu, me casei e tive duas filhas, o bip (pager) surgiu e sumiu, o telefone celular surgiu e foi encolhendo até quase sumir, ninguém mais deixa recado pra minha mãe me passar quando eu voltar, não jogo mais bola, o Brasil foi campeão duas vezes, mas tomou um 7 a 1, não nado mais no poção, muita coisa ficou politicamente incorreta, mas os políticos continuam imunes e praticando incorreções, não caço mais bichinhos no mato, a tortura deixou de ser oficial, meu cabelo ficou branco, todos possuem computador em casa, surgiram as redes sociais e eu pude reencontrar meus amigos da escola… senti saudades.
Voltei pra Franca no último feriado e como existem a saudade e a rede social, convidei meus contemporâneos da escola, amigos e professores, para um reencontro de turma. O grupo era grande e o encontro prometia ser o evento da cidade naquele feriado. Contratei uma equipe de recreação, com contador de história, maquiadora, piscina de bolinhas e pula pula para que nossas crianças se distraíssem enquanto nós, adultos sérios e saudosos, colocaríamos a prosa em dia.
Como era feriado e muitos de meus amigos continuaram em Franca por todos esses anos, alguns preferiram viajar e avisaram que não poderiam participar, então redimensionei o evento e reservei o restaurante para 30 pessoas. Eram poucos diante do universo do grupo, mas todos estariam bem representados.
Cheguei cedo ao lugar combinado e me admirei com a organização da equipe de recreação, testei alguns equipamentos, afinal, para nossas crianças, segurança em primeiro lugar. Abri uma cerveja, hábito, e aguardei que os amigos chegassem. Sempre com um abraço e aquele terrível esforço de memória para relembrar de quem se tratava, fui recebendo, feliz, uma a uma, aquelas pessoas queridas que chegavam, até chegar a quinta, depois parou de chegar. A conta era simples, convidei 80, reservei para 30 e só foram 5, ninguém levou criança. Era a famosa regressão geométrica que não aprendi na escola, mas a vida me ensinava.
Notei que nesses 27 anos que me afastavam do tempo do colégio, minha popularidade havia se mantido intacta e achei que foi engraçado, depois de ter sido constrangedor, o fato de poucos amigos terem aparecido. Mas representaram o grupo muito bem!
O encontro transcorreu à perfeição. Comemos bem, matamos a saudade, nos interamos de novidades, relembramos histórias esquecidas (algumas eu achei errado relembrar, mas relembrei). Foi interessante perceber que depois do primeiro impacto, da dificuldade de reconhecer aquele amigo depois de tantos anos, os olhos iam se acostumando e logo eu me via conversando com aquela criança que eu não via há muito tempo, como se ainda fosse exatamente a mesma pessoa, como se fôssemos os moleques e molecas caipiras que um dia nós achamos que deixamos de ser… ainda somos.
Foi interessante ver os monitores cuidando pra que nós 6 não brigássemos na piscina de bolinhas e não chocássemos nossas cabeças no pula pula. Foi bom ver os garçons sentados conosco, em semi círculo, ouvindo as histórias do contador de histórias. Foi lindo ver meu amigo Pedrão saindo maquiado com uma borboleta na cara barbada.
Ficou programado de organizarmos um próximo encontro em breve, pra ir todo mundo! Passados alguns dias, sinto saudades novamente daquele tempo e daqueles amigos, muitos deles ainda não pude reencontrar. Passados alguns dias, já nada constrangido e devendo uma grana pra um amigo (tomara que ele não apareça no próximo encontro), fico pensando e vejo que nada que eu fizesse naquele dia poderia tê-lo tornado do melhor do que ele foi.
Por tudo isso, pra voltar às minhas origens, por rever gente querida, para que minhas filhas entendam um pouco quem eu fui e reparem que, um pouco ainda sou, por um abraço, por um par de risadas, por uma recordação emocionante, é por isso que eu já estou ansioso pelo próximo encontro em Franca.
P.S.: Como corre o risco de minha popularidade ter ficado um pouco mais abalada do que sempre foi e, talvez, se alguém for organizar um próximo encontro, peço que não se esqueça de me convidar, se der…
Gostei demais de sua crônica: além de analisar seu crescimento, de garoto bom e honesto que foi até o excelente médico veterinário que é, a página é o registro do cultivo de um dos mais legítimos e admiráveis sentimentos ▬ a verdadeira amizade ▬, com o resgate de momentos felizes, num reencontro com valores que o pretérito saudoso (SEMPRE PRESENTE EM NOSSAS ALMAS) conserva nítidos; e ao qual (encontro) a atualidade oportuniza acrescentar valores novos: os familiares amados.
Que Deus lhes permita inúmeras ocasiões assim! INÚMERAS!