Em dois comunicados da Universidade de São Paulo (USP) sobre a fosfoetanolamina, um da própria USP e outro do Instituto de Química de São Carlos, também da USP (veja abaixo) faltam explicações para se entender toda a confusão sobre a substância química. Além disso, deixam inúmeras questões no ar que precisam ser respondidas pela Universidade.
Veja só:
Por que uma substância aparentemente tão promissora, pelo menos para um tipo de câncer, não foi mais investigada, analisada e testada clinicamente? Em nenhuma das notas há essa informação.
Diante dos bons resultados, por que o Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros não apresentou as licenças e registros que permitam a produção da fosfoetanolamina para fins medicamentosos?
A Instituto de Química da USP também afirma que a USP não detém a patente da substância. É outra informação estranha.
Por que a USP não detém a patente da substância, mesmo sendo a USP a universidade que investiu 100% dos seus recursos para o desenvolvimento, seja pagando pesquisadores e cedendo laboratórios e funcionários?
Por que essa patente só pertence aos pesquisadores que foram financiados pela Universidade e com dinheiro público?
Outra questão: como um professor pago pela USP estuda uma substância de forma independente dentro da USP?
E mais: como, segundo a própria nota do Instituto de Química, pessoas que não têm vínculo com a USP fazem pesquisa dentro da USP?
Ou seja, por trás da confusão da fosfoetanolamina parece haver uma confusão maior entre o público e o privado.
Segundo informações divulgadas, a substância foi apenas testada clinicamente em camundongos, em um tipo de câncer de pele, com bons resultados, mas a partir daí não houve mais pesquisas, apesar do resultado.
Em reportagem da Rede Globo, o oncologista Antônio Carlos Buzaid diz que propôs uma parceria para testar a droga em 2008, mas não conseguiu a autorização dos pesquisadores. Ele também afirmou na reportagem que cerca de 20 pacientes tomaram a droga e não foram beneficiados, ou seja, não deu resultado esperado.
Veja o comunicado do Instituto de Química:
ESCLARECIMENTOS À SOCIEDADE
Considerando a repercussão de notícias vinculadas na imprensa sobre a distribuição de fosfoetanolamina para fins medicamentosos no tratamento de câncer pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), vimos a público apresentar os seguintes esclarecimentos:
A substância fosfoetanolamina foi estudada de forma independente pelo Prof. Dr. Gilberto Orivaldo Chierice, outrora ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros e já aposentado. Esses estudos independentes envolveram a metodologia de síntese da substância e contaram com a participação de outras pessoas, inclusive pessoas que não têm vínculo com a Universidade de São Paulo.
Chegou ao conhecimento do IQSC que algumas pessoas tiveram acesso à fosfoetanolamina produzida pelo citado docente (e por ele doada, em ato oriundo de decisão pessoal) e a utilizaram para fins medicamentosos.
Em vista da necessidade de se observar o que dispõe a legislação federal (lei no 6.360, de 23/09/1976 e regulamentações) sobre drogas com a finalidade medicamentosa ou sanitária, medicamentos, insumos farmacêuticos e seus correlatos, foi editada em junho de 2014 a Portaria IQSC 1389/2014 (clique aqui para ver a Portaria), que determina que tais tipos de substâncias só poderão ser produzidas e distribuídas pelos pesquisadores do IQSC mediante a prévia apresentação das devidas licenças e registros expedidos pelos órgãos competentes determinados na legislação (Ministério da Saúde e ANVISA).
A Portaria IQSC 1389/2014 não trata especificamente da fosfoetanolamina, mas sim de todas e quaisquer substâncias de caráter medicamentoso produzidas no IQSC. Essa Portaria apenas enfatiza a necessidade de cumprimento da legislação federal e não estabelece exigências ou condições adicionais àquelas já determinadas na lei.
Desde a edição da citada Portaria, o Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros não apresentou as licenças e registros que permitam a produção da fosfoetanolamina para fins medicamentosos. Sendo assim, a distribuição dessa substância fere a legislação federal.
A Universidade de São Paulo, ademais, não possui o acesso aos elementos técnico-científicos necessários para a produção da substância, cujo conhecimento é restrito ao docente aposentado e à sua equipe e é protegido por patentes (PI 0800463-3 e PI 0800460-9).
Cabe ressaltar que o IQSC não dispõe de dados sobre a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos – até porque não temos conhecimento da existência de controle clínico das pessoas que consumiram a substância – e não dispõe de médico para orientar e prescrever a utilização da referida substância. Em caráter excepcional, o IQSC está produzindo e fornecendo a fosfoetanolamina em atendimento a demandas judiciais individuais. Ainda que a entrega seja realizada por demanda judicial, ela não é acompanhada de bula ou informações sobre eventuais contraindicações e efeitos colaterais.
Destaca-se também que a Portaria IQSC 1389/2014 não proíbe a realização de pesquisas em laboratório com a fosfoetanolamina ou com qualquer outra substância com potencial propriedade medicamentosa, sendo que quando as pesquisas envolverem estudos em animais ou seres humanos deve ser observada a respectiva legislação federal, como a Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
O Instituto de Química de São Carlos lamenta quaisquer inconvenientes causados às pessoas que pretendiam fazer uso da fosfoetanolamina com finalidade medicamentosa. Porém o IQSC não pode se abster do cumprimento da legislação brasileira e de cuidar para que os frutos das pesquisas aqui realizadas cheguem à sociedade na forma de produtos comprovadamente seguros e eficazes. (IQSC-USP)