Comunidades ribeirinhas da região Amazônica estão se beneficiando do resultado de um projeto de pesquisa científico iniciado a partir da necessidade dessas próprias populações: máquinas de gelo que utilizam apenas energia solar fotovoltaica. O diferencial do equipamento desenvolvido pelo Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, é dispensar o uso de bateria para armazenamento de energia.
A máquina de gelo é uma adaptação de um equipamento comercial. Ao invés de um cabo para conexão em tomadas ou baterias, ela é ligada diretamente a um gerador com 60 módulos fotovoltaicos. Esses módulos possuem células sensíveis à luz e de material semicondutor. A luz solar incide sobre as células, os elétrons do material semicondutor são colocados em movimento, permitindo a geração de corrente elétrica. A eletricidade move um motor elétrico conectado a um compressor de uma máquina de produção de gelo.
De acordo com Roberto Zilles, professor do IEE e um dos responsáveis pelo desenvolvimento da máquina de gelo, o equipamento funciona de acordo com o sol. Quanto maior a incidência solar, mais rápido o motor gira e maior a produção do gelo.
“A presença de uma bateria poderia armazenar a energia para o equipamento ser utilizado em dias sem sol e aumentar a produção de gelo, no entanto, decidimos eliminar a necessidade de acumular a energia por causa dos seus custos financeiros e ambientais. A bateria precisa ser trocada periodicamente e seu descarte, de maneira não correta, pode se tornar um problema para o meio ambiente”.
A capacidade de produção da máquina é de 30 quilos de gelo por dia e, segundo Zilles, o custo para construir o equipamento é em torno de R$ 12 mil. A máquina é o resultado de um protótipo desenvolvido em 2009 durante a pesquisa de pós-doutorado de Carlos Driemeier, no Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do IEE, que teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Mas a ideia das máquinas de gelo surgiu em 2005 com a participação dos pesquisadores do IEE em projeto de eletrificação rural com energia solar, em comunidades ribeirinhas no Amazonas. “A demanda por gelo nesses locais é fundamental para a conservação do pescado que é fonte de renda e alimentação. Percebemos a dependência da população em comprar gelo para fazer o transporte do produto, o que o encarecia. Além disso, o acesso à energia nesses locais é muito difícil”, explica Zilles.
Ele ainda conta que a demanda de construção da máquina de gelo surgiu de um problema social. “Entender a realidade e as dificuldades dessas comunidades motivou o desenvolvimento de uma solução”.
Instituto Mamirauá
A primeira comunidade ribeirinha beneficiada pela máquina de gelo é a Vila Nova do Amanã, no município de Maraã, no Amazonas. Foram instalados, em setembro, três equipamentos com capacidade diária de 90 quilos de gelo. A construção das máquinas faz parte do projeto “Gelo Solar: tecnologia para conservação de alimentos em comunidades isoladas da Amazônia” implantado pelo Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O Gelo Solar é uma expansão dos projetos de energia solar que o Instituto Mamirauá vem desenvolvendo na Amazônia. No interior do estado do Amazonas, a matriz energética é 100% óleo diesel, que possui baixa eficiência e alto custo de operação, manutenção e distribuição.
No caso das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, que reúnem 286 comunidades, apenas 153 contam com pequenos geradores funcionando poucas horas por dia. As demais 133 vivem às escuras.
Qualidade de vida
A fabricação diária de gelo na comunidade Vila Nova do Amanã mudou a vida dos moradores. “O gelo trouxe melhoria para a comunidade toda para a conservação dos alimentos. Antes não tínhamos onde conservar, trazíamos o gelo de Tefé [cidade vizinha] e ele acabava em poucos dias”, diz Francisco Pereira Vale, morador do local. (Agência Usp)