Por Gulherme Boneto
O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) é uma figura caricata e curiosa. Não cabe simplificar e desqualificar seu discurso, que merece uma análise aprofundada e muito acautelada.
Bolsonaro fala para a classe média conservadora num geral. Suas palavras atingem em cheio os que estão “cansados” da violência, ainda que nunca tenham sido vítimas dela – o que é perfeitamente compreensível, em vista do noticiário. Afeta também aqueles que, em nome da tradição e de suas crenças religiosas, atribuem à mulher um papel secundário, impedem-na de abortar caso queira, e desejam que relacionamentos não-heterossexuais estejam marginalizados e restritos a ambientes privados. O deputado fluminense repete esse discurso de maneira absolutamente simples. E agrada. A ponto de ser chamado, por boa parte de seus seguidores, de “mito”.
Nós, que somos progressistas embora não pertençamos ao Partido Progressista que abriga Bolsonaro, devemos refletir não a respeito do deputado em si. Ele foi eleito por uma parcela considerável do eleitorado do Rio de Janeiro, e teria tido um número infinitamente maior de votos caso um deputado federal pudesse chegar a Brasília com o voto de todos os eleitores do país. Isso significa que o mandato de Jair Bolsonaro é legítimo, e a cadeira que ele ocupa na Câmara dos Deputados lhe pertence de fato. Digo mais: em recente pesquisa CNT/MDA, o deputado aparece com 5% das intenções de voto para presidente da República. Para ele, algo a se festejar; para nós, o símbolo mais claro de que a mentalidade de parte dos brasileiros caminha de forma extremamente preocupante.
Quando é dada a palavra a Jair Bolsonaro no plenário da Câmara, devemos estar tão atentos como se falassem milhares de pessoas em uníssono, uma vez que o discurso ali reproduzido é visto nas ruas todos os dias. Assim é o brasileiro médio: conservador, machista, homofóbico. Defende a pena de morte sem considerar que a criminalidade é fruto justamente da desigualdade social e da miséria das periferias, não necessariamente de má índole. Desconhece a sexualidade humana e absolutamente ignora o sofrimento dispensado a uma pessoa que não se reconhece no próprio corpo e sente medo de expressar que é diferente, desconhece o medo da família, dos amigos, da sociedade. É uma gente que reduz o papel da mulher à cozinha, que não vê as nossas jovens como pessoas capacitadas para liderar, empreender, gerar riqueza. O Brasil evoluiu, mas a mentalidade dessas pessoas continua no passado. E é com isso que devemos nos preocupar.
Ainda ontem uma tia querida curtiu no Facebook um vídeo no qual o deputado Bolsonaro aparece metralhando (não literalmente) um grupo de defensores dos direitos humanos. Me pus a ouvir com atenção as palavras do parlamentar, uma vez que o vídeo surgiu na minha timeline e me chamou a atenção a maneira como ele fala de modo aparentemente coerente. Se eu partilhasse de ideais parecidos com os dele, o discurso de Jair Bolsonaro faria o maior sentido para mim, assim como o faz para os quase 465 mil fluminenses que votaram nele nas eleições de 2014 – mais de 6% dos votos válidos, para apenas um candidato dentre centenas de outros, o que fez dele o mais votado no Estado do Rio de Janeiro. Também deve fazer o maior sentido para mais de um milhão e seiscentos mil brasileiros que “curtem” a página de Bolsonaro no Facebook, acompanham e endossam as postagens do parlamentar.
Bolsonaro tem a prerrogativa inalienável de dizer o que quiser. Felizmente, porém, nenhum direito é absoluto, nem sequer a liberdade de expressão – que o diga a Justiça, que condenou o deputado a pagar pela grave ofensa feita à também deputada Maria do Rosário, do PT. O que deve ser levado primeiro em consideração é a forma como esse pensamento se propaga, chega aos quatro cantos do país e é reproduzido todos os dias, por milhares de pessoas. Por que um deputado que defende a ditadura militar é ovacionado, chamado de “mito”?
Cabe refletir quais caminhos devem ser seguidos. O que pode ser feito para que as pessoas compreendam? Para que apoiem e exijam políticas públicas que reduzam de fato a violência, promovendo a inclusão, e para que aceitem o diferente? Quantos livros de história mais precisarão ser escritos para que os brasileiros entendam o que foi a ditadura civil-militar? Quantas aulas precisarão ser dadas para que o Brasil repudie com veemência qualquer menção honrosa a esse tipo de regime e valorize a democracia? Se quando o governo da presidenta Dilma Rousseff contava com mais de 60% de aprovação dos brasileiros, nenhuma atitude foi tomada no sentido de politizar a população, o que poderia ser feito agora, quando nem sequer 10% dos eleitores endossam sua administração?
Essa despolitização é o que deve nos preocupar. Achar que a violência será solucionada com mais violência, marginalizar o diferente, odiar, ofender, nada disso pode ser aceito num país civilizado, e esse pensamento põe a democracia em sério risco, porque não fica mais restrito à meia dúzia de eleitores adoráveis que elege Bolsonaro e outros como ele. À medida que a extrema direita se espalha Brasil afora, pede a morte de Dilma e de “comunistas” (você conhece algum?), além da extinção de partidos políticos de esquerda, e espalha correntes de WhatsApp atribuindo à presidenta e a políticos progressistas toda a sorte de absurdos, um sinal amarelo deve se acender.
Jair Bolsonaro não é o problema, porque ele não é um filósofo, não escreve textos científicos bem embasados defendendo suas ideias, não nos brinda a cada solstício com novas reflexões reacionárias. Ele apenas reproduz o pensamento padrão dos simpáticos que compõem parte da classe média brasileira. Enquanto não houver um elemento que provoque uma mudança drástica nessa forma de ver a sociedade, nesse pensamento simplório que não chega perto de compreender a realidade do Brasil, Bolsonaro será eterno e dará à luz outros depois dele. E eu me pergunto: o que será da nossa tão pobre e breve democracia se isso continuar acontecendo?
“Comunistas”, conheço alguns. Anti-comunista, muitos mais.
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