A política de habitação popular na Venezuela é superior e mais eficiente do que as praticadas no Brasil, México e Colômbia, constatou a pesquisadora do Instituto de Economia da Unicamp, Beatriz Mioto. “É engraçado dizer isso”. É sempre amedrontador dizer isso, porque a Venezuela é sempre atacada. Acho que o importante da Venezuela, mais do que a experiência em si, é o fato de o Estado ter financiado e ter investido bastante dinheiro por um bom tempo. Daqui para frente, com a crise causada pela oscilação do preço do petróleo, não sei como vai ser”, afirmou ao Jornal da Unicamp.
Para a pesquisadora, a política habitacional na Venezuela foi implantada após a eleição de 2006 de Hugo Chávez (1954-2013) e se mostrou mais eficiente, ao realizar quase uma “reforma agrária urbana”. A implantação começou depois das fortes enchentes do final de 2010 e do início de 2011, que deixaram centenas de milhares de desabrigados. “Até então havia uma política muito mais de readequação dos bairros, de reforma, não uma política de habitação em si, mas quando vem essa enchente, com muitos desabrigados, principalmente em Caracas, surge essa política habitacional. E, a despeito de todos os conflitos da sociedade venezuelana, há um consenso de que se precisa botar dinheiro para resolver esse problema urbano e melhorar a vida de todo mundo. O que é diferente da visão de dar casa para pobre, onde não se entende que, ao melhorar a moradia popular, está-se melhorando a vida de todo mundo”, afirmou.
Para conseguir avançar, conta a pesquisadora, foi necessário um enfrentamento fundiário urbano. Fez-se um censo das terras urbanas de Caracas. Nesse censo, as terras urbanas foram classificadas e um terreno vazio na cidade torna-se passível de desapropriação, mediante pagamento. “E o preço dessa terra não era um preço absoluto, dado apenas pela localização, mas era um preço, digamos, formado relativamente a terrenos com as mesmas características topográficas e de tamanho, e não só pela localização, que é o que torna a terra sempre mais cara. Então de fato houve enfrentamento, não com o setor privado de edificações em si, mas com o capital imobiliário em geral, da especulação”, afirmou.
Em pesquisa na própria Venezuela, a pesquisadora relatou também os condomínios sustentáveis, que ficam em áreas mais distantes do centro da cidade. “A ideia, no discurso da burocracia estatal que entrevistei, e das visitas que fiz, era fazer desses condomínios, um pouco mais afastados, novas centralidades urbanas, mais ligadas a coisas como sustentabilidade, agroecologia”, disse.
Beatriz Mioto é autora da tese de doutorado “As políticas habitacionais no subdesenvolvimento: os casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013)”, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp e orientada pelo professor Wilson Cano.
Já no caso de México, Colômbia e Brasil, as políticas são feitas em parceria com o capital privado e sem equacionar a vida urbana. O caso brasileiro, disse Beatriz, é onde há maior participação do Estado como agente financiador, seja por meio de bancos públicos ou políticas como a do FGTS. Para ela, essa abordagem comum aos três países gera dificuldades de transporte urbano com populações instaladas em periferias,concentração de problemas sociais e de segurança nos conjuntos populares, além do tamanho inadequado das unidades e de qualidade das obras.
“A partir dos anos 90, principalmente, a ideia é muito mais de prover o crédito para que o mercado faça a habitação. O Estado vira um facilitador que oferece um crédito ou um subsídio ao comprador final. Todo o resto, incluindo a articulação setorial e a localização dos empreendimentos, fica relegado ao setor privado. Esse é um traço comum das políticas, um pouco mais intenso nos casos mexicano e colombiano”, afirma.
Beatriz lembra que o Brasil tem legislação para melhorar a política habitacional popular. “Você pode desapropriar um lugar que não está cumprindo a sua função social, e função social não só no sentido da política social, do atendimento à população carente, função social é se você tem um terreno no meio da cidade que você não constrói nada, só mantém aquilo como reserva de valor”, disse. (Carta Campinas com informações da Unicamp)
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