Falta governo e falta oposição no país

Por Luís Nassif

fotor_colunaO que garante a governabilidade não são apenas as prerrogativas institucionais da presidência, mas a existência de um conjunto coerente de ideias

Tem-se uma quadra complicada na vida do país.

O governo Dilma acabou. Pode ser que renasça mais à frente. Mas, no momento atual, não há comprovação de que os sinais vitais estejam preservados.

Com o esfacelamento do centro de poder, o país tornou-se um salve-se quem puder. Ritos, procedimentos, processos deixam de ser observados, a própria racionalidade é colocada de lado, provocando a ascensão de pequenos tiranetes invadindo todos os poros da vida nacional.

As relações sociais são atropeladas por bandos de trogloditas saindo do baú da inquisição e invadindo as ruas e as instituições.

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Na Câmara Federal, o presidente Eduardo Cunha passou a atropelar os ritos e a impor sua vontade pessoal e a do baixíssimo clero da casa.

No STF (Supremo Tribunal Federal), o Ministro Gilmar Mendes se vale desde o uso da gaveta até procedimentos, que em outras quadras da história, seriam considerados escandalosos: como obter,  para eventos do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), de sua propriedade, patrocínios de empresas com extensas demandas no Supremo.

Um procurador lotado no TCU (Tribunal de Contas da União), militante de passeatas pró-impeachment, se vê no direito de opinar sobre a viabilidade de empresas-chave na política industrial do pré-sal.

A imprensa ajuda a demolir os financiamentos de serviços do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) duramente construídos nos governos FHC e Lula.

Em Curitiba, um juiz de primeira instância, procuradores e delegados, distribuem prisões preventivas sem a menor preocupação de legitimá-las.

No Banco Central, um grupo de burocratas define a seu talante o nível das taxas de juros da economia, cria um cenário claramente insustentável para a dívida pública, sem que ninguém se interponha no seu caminho.

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O que garante a governabilidade não são apenas as prerrogativas institucionais da presidência da República, mas a existência de um conjunto coerente de ideias, não só econômicas, mas legitimadoras, capazes de juntar setores dos mais diversos em torno da ideia de nação.

A presidência já não consegue mais estruturar nenhum discurso.

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A segunda âncora deveriam ser os partidos políticos. Mas também não existem programaticamente.

O vácuo de poder e de propostas seria a oportunidade da oposição apresentar-se como verdadeira alternativa de poder. Mas consegue ser ainda pior e menos séria do que a situação que combate.

Hoje em dia, o jogo político consiste na fabricação diuturna de factoides para aparecer na mídia.

O jogo de cena armado por Aécio Neves e troupe na visita à Venezuela seria um episódio vergonhoso em qualquer circunstância, uma mera molecagem de praia, não tivesse sido protagonizado por um candidato à presidência da República e por senadores da República.

Transformam um problema de trânsito – registrado inclusive por jornais de oposição na Venezuela – e meras manifestações de rua em incidente diplomático. E ainda conseguem a solidariedade do líder do PT na Câmara. O outro candidato oposicionista, José Serra, aproveita o vácuo de poder para parcerias de negócio com o presidente do Senado Renan Calheiros.

É uma quadra vergonhosa da história, uma comprovação trágica de que falta governo e falta oposição ao país tornam absolutamente incerto a saída política da crise.