O novo sistema eleitoral proposto pelo relator da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que o presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), trabalha para aprovar ainda este mês, é apontado por especialistas e setores mais progressistas da sociedade como um grave retrocesso para a democracia brasileira.
O chamado “distritão” é um modelo não proporcional, ainda pior do que atual sistema brasileiro, porque acentua o personalismo e o abuso do poder econômico, em detrimento de partidos, ideologias e propostas. É considerado tão ruim e ultrapassado que só é adotado em dois países do mundo: Afeganistão e Jordânia.
Para a Deputada Moema Gramacho (PT-BA), se o “distritão” for aprovado, o país retrocederá ao coronelismo personalista, em que vencem os primeiros mais votados, independentemente de partido ou coligação. “Se o povo queria mais representatividade aí é que não vai ter, porque mulheres, negros, indígenas, pobres não terão vez. Jovens, então, só quando os avós e os pais cansarem de vencer ou estiverem inelegíveis, inibindo cada vez mais a renovação da política”, afirma, em nota divulgada hoje (19).
“Se este relatório for aprovado, o sistema político brasileiro vai piorar muito mais”, avalia o deputado Henrique Fontana (PT-RS), ex-líder dos governos Lula e Dilma e um dos maiores especialistas em reforma política, autor da proposta mais progressista já construída no parlamento, mas que jamais chegou à votação.
De acordo com ele, o canto de sereia do “distritão” se baseia na simplicidade, já que os deputados mais votados são os eleitos. Por isso, se apresenta de forma atraente, com o discurso de que é uma solução para a distorção verificada hoje com o efeito puxador de votos, ou o chamado “Efeito Tiririca”, que ocorre quando um deputado muito votado consegue eleger também outros nomes de sua legenda com votação inexpressiva.
Entretanto, apresenta desvantagens graves se comparado com outros sistemas proporcionais, mais abertos à participação das minorias. No sistema proporcional, todos os votos dados pelos cidadãos são contados na hora de definir quem vai ocupar as cadeiras do parlamento. “No proporcional, não se joga voto fora. No distritão, o candidato mais votado ganha a eleição e os outros votos todos vão para o lixo”, diz o deputado.
Segundo ele, no sistema proporcional, candidatos com bandeiras específicas ou minoritárias têm muito mais chances de se eleger. No distritão, a tendência é que sejam eleitas as celebridades e os candidatos popularescos e muito radicais. O sistema proporcional favorece candidatos como Jean Wyllys (PSOL-RJ). O distritão, como Jair Bolsonaro (PP-RJ).
Outro problema do distritão é que favorece um pluripartidarismo acentuado, problema não detectado nem mesmo em outras variações do modelo, como o distrital misto adotado na Inglaterra. “Se hoje nos temos 28 partidos com representação no parlamento, com o distritão, a expectativa é que este número chegue, rapidamente, em 40 ou 45”, prevê Fontana.
Há outras diferenças em relação a modelos ao estilo do inglês, nos quais as distorções ocorrem porque nem sempre o partido que recebe mais votos é o que alcança maior representação no parlamento, já que o que vale são as legendas dos parlamentares eleitos em cada um dos distritos. No “distritão” defendido pelo PMDB, porém, os partidos sequer importam.
“Cada deputado é praticamente um partido”, resume. “O deputado organiza sua própria campanha, não precisa ter nenhuma solidariedade para construir votação de legenda. Não precisa do partido para nada e não se dedica em nada ao partido. É cada um para si e deus para todos”, denuncia.
Para Fontana, o modelo terá impactos graves na já difícil governabilidade do país. “Cada votação terá que ser negociada não com partidos ou blocos, mas individualmente, com cada um dos 513 deputados”, exemplifica. Segundo ele, o sistema acaba com os partidos políticos ideológicos. “Uma democracia representativa não pode ser feita por personalidades isoladamente”, afirma.
Fontana aponta ainda que o distritão aumentará o custo das campanhas eleitorais para deputados, que atingirão cifras equivalentes as dos governadores. “A tendência é que as 513 campanhas mais caras do país sejam as eleitas. Por isso, o distritão é uma espécie de paraíso para o poder econômico”, destaca.
Segundo ele, como os deputados terão que disputar votos em todo o estado, e não só apenas nas suas regiões, os gastos serão mais altos. “Um deputado que hoje coloca carro de som em 20 municípios terá que colocar em 100”, exemplifica.
Outro efeito negativo do distritão é privilegiar o conservadorismo. “O distritão tende a reeleger quem já é deputado”, aponta. Conforme ele, os próprios partidos são induzidos a lançarem apenas seus nomes mais conhecidos, impedindo o surgimento de novas lideranças. “ Os partidos precisam concentrar os votos dos eleitores que simpatizam com sua sigla. Por isso, têm que concentrar nos nomes mais fortes”, explica.
Constitucionalização do financiamento privado
Além de propor um sistema eleitoral considerado pior do que o atual, o relatório endossado por Cunha retrocede também ao constitucionalizar o financiamento das campanhas eleitorais pelas empresas, considerado o cerne da corrupção por cerca de 80% da população, conforme diferentes pesquisas.
“O grande desafio para melhorar a política brasileira é fazer aquilo que 40 países do mundo já fazem, que é retirar as empresas do financiamento das campanhas. E o que este relatório faz é constitucionalizar o financiamento das empresas”, denuncia Fontana, que estima que sua aprovação poderá ter efeito negativo, inclusive, na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) sobre o tema que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
No julgamento da Adin requerida pela OAB, seis dos 11 ministros da corte já votaram pela inconstitucionalidade do financiamento de campanha. Entretanto, há mais de um ano, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo e não o devolve para que o julgamento seja retomado, dado que sua posição, favorável ao financiamento das empresas, foi vencida.
“A posição do ministro Gilmar Mendes é extremamente autoritária, porque toda a sociedade brasileira quer que esse assunto seja resolvido logo. E já há maioria de voto para isso”, acrescenta Fontana. (Najla Passos/ Carta Maior com informações da RBA)
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