Por Carlos Trigueiro
Tentaremos alternar nossa crônica sobre “Olhos” “com um olho no padre e outro na moça, digo, na missa”, ou seja, alternando o sério com o burlesco, pois todo mundo sabe que o olho é o órgão da visão, apresenta-se em par, um em cada órbita, e ainda segundo a Anatomia, tem três camadas: esclerótica, coroide e retina. Mas “olho nela”, digo, na Ciência, pois todo santo dia, o seu “olho clínico” ou “olho de lince” descobre novos olhares. Daí que não nos cabe, neste espaço, esmiuçar os “Olhos” por esse ângulo científico, e muito menos pelo olhar da Medicina. Melhor mesmo é ficar literalmente “a olho nu”, do contrário teremos “os olhos rasos de água”.
Dizem os poetas que “os olhos são o espelho da alma”. Mas tem olho de todo tipo: “olho de cabra”, “olho de gato”, “olho mágico”, “olho vivo”, “olho mecânico”, “olho eletrônico”, “olho gordo”, “olho-de-santa-luzia” (jardineiros sabem que é uma planta), “olho-roxo” (agricultores sabem que é uma variedade de mandioca), e por aí vão inúmeras expressões similares num crescendo “a olhos vistos”.
Até aqui nenhuma trave bíblica, ou melhor, nenhum cisco no olho. Mas se alguém disser que fulano tem “olhos de mormaço” podem crer que o dito cujo “anda de olho” naquela fulana, e, portanto, melhor a fulana “abrir os olhos”, embora perceba “de olhos fechados” a intenção do tal fulano que, segundo a galera das redes sociais –– os vilarejos contemporâneos do “disse-me-disse” –– é um galã de “encher os olhos”.
Em tese, os “Olhos”, sendo órgãos da visão, são responsáveis por transmitir ao ser humano (e a outros animais vertebrados ou não) as imagens, dimensões, cores e movimentos do universo que nos cerca. Mas nem por isso alguém comedido pode deixar de experimentar uma taça de vinho elaborado com a casta de uva conhecida por “olho-de-sapo” e, mesmo sem ter “o olho maior que a barriga”, degustar inteira bandeja com “olhos-de-sogra” preparados pela avó de “olhos cansados”.
Talvez porque os peixes necessitem de visão especial para enxergarem imersos nas águas dos lagos, açudes, rios e oceanos, os aspectos dos seus “Olhos” acabam por determinar-lhes os respectivos nomes. Assim, eu mesmo, sem invencionice nem a famigerada conversa de pescador, digo, de histórias de pescador, já pesquei, no mar fluminense, uma fileira de peixes “olhos-de-cão” e, no litoral cearense, uma fileira de “olhos-do-céu”. Claro que nos igarapés amazonenses pesquei, quando menino, alguns “olhos-de-fogo”, peixinhos de poucos centímetros que se adaptam bem em aquário. Tudo isso seria a tal “conversa de pescador” se eu houvesse fisgado todos esses peixes num “olho d’água”.
E nessa miscelânea de “Olhos” daqui e dali, nem por isso vou me esquecer de registrar que um bom fotógrafo dispensaria um “olho armado”, ou seja, a lente (objetiva) conhecida por “olho-de-peixe” na hora de aproximar e juntar, por exemplo, as imagens de um grupo de pessoas em fotografia no mesmo plano.
Nenhuma novidade também que a riqueza do nosso idioma proporcione muitas analogias com situações mundanas. Exemplos não faltam. Se um sujeito morreu, todo mundo entende que um parente emocionado dê a notícia assim: “Fechou os olhos…”. Se a preocupação ou, modernamente, o estresse tira o sono de alguém, diz-se: “não pregou o olho”. Se fulano, ao visitar a casa de um amigo, fixar o olhar num vaso ou adorno de sala, e, por acaso, mais dia menos dia, o objeto venha a cair e se quebrar, não tem escapatória: “Fulano tem olho-de-seca-pimenteira”…, ou tem “mau-olhado”.
Com olhos no ponto de vista (que não deixa de ser olho) filatélico, são valiosos para colecionadores, os selos brasileiros emitidos em 1843 conhecidos por “olho de boi” (maior) e “olho de cabra” (menor), ambos com desenhos assemelhados a um olho.
Historicamente, sabemos que povos guerreiros, em culturas muito antigas, costumavam castigar terrivelmente inimigos aprisionados perfurando-lhes ou queimando-lhes os “Olhos”. Daí terem chegado aos nossos dias textos e códigos de antigas civilizações orientais que mencionam tais castigos. Aliás, a Bíblia, no Velho Testamento, Cap. Êxodo, 22.22 registra “Se alguns homens pelejarem…” e a seguir no Versículo 22.23 “Mas se houver morte, então darás vida por vida…”, e no Versículo 22.24: “Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé”.
De relevante ainda sobre “Olhos” me ocorreu a inspiração do francês Louis Braille que, tendo ficado cego aos 3 anos de idade, inventou, em 1827, um sistema de leitura através do tato para cegos. O sistema logrou enorme êxito e até hoje (ficou conhecido por Sistema de Braille) é utilizado por deficientes visuais que, assim, conseguem pelo tato interpretar 63 combinações de sinais em alto relevo capacitando-os a ler letras, números, sinais matemáticos, pontuações, notas musicais, enfim ler sem “Olhos”.
E como o espaço da crônica está acabando, melhor fechar os “Olhos” à falta de maior inspiração do cronista, pois do contrário meus editores podem não me ver “com bons olhos” e me apontarem o “olho da rua” num “abrir e fechar de… ‘Olhos’”.
(Imagem: Frederico Leal)
Ótima crônica, como, aliás, todas as que o Trigueiro submete aos nossos olhos. Autor prolífero de grande inspiração. Quando eu crescer quero ser Carlos Trigueiro.
Abraços, meu ídolo, JAIR.