Após diversas manifestações de racismo e discurso de ódio propagados em mensagens e “Memes” no grupo “Direito PUC-Campinas”, o estudante Fernando Morais resolveu não se calar e lançar uma nota, com apoio do Centro Acadêmico XVI de Abril – Núcleo de Combate às Opressões e coletivos autoorganizados da região de Campinas.
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Veja abaixo trecho da nota do estudante:
“Após o término do ensino médio eu comecei a me preparar para ingressar em uma universidade. Eu podia jurar que o maior desafio seria o de passar pelo funil que o vestibular representa e que após isso, nada na universidade seria tão difícil. Ocupar? Possível. Resistir? Uma batalha diária. Mudar para Campinas sem meus pais e adotar uma vida completamente diferente da que eu vivi a vida toda, para um jovem de 20 anos soa como uma aventura intensa, sensacional que deve ser aproveitada até o fim.
Depois de quatro semanas na PUC-Campinas senti o gostinho árduo do racismo que diariamente é camuflado e blindado. Após uma aluna da instituição publicar no grupo Direito PUC-Campinas um questionamento, problematizando o fato de haver restrições quanto ao sexo para ingressar no time de futsal.
Eu como qualquer outro aluno da instituição, comentei o post dizendo que o sexismo reinava. Logo em seguida uma outra estudante comentou dizendo que a chatice reinava. E porque eu deveria parar ali? Ignorar? Porque eu deveria deixar para lá sabendo que essa pauta não era minha? Não! Não posso alimentar o silenciamento que nós negros já somos submetidos constantemente seja dentro do pátio dos leões ou fora. Em seguida eu respondi que a empatia estava em falta ali. Como de se esperar, as ofensas para a garota vieram como um relâmpago. De imediato um aluno no auge da sua infantilidade, postou uma imagem depreciativa, arcaica e ofensiva contra as feministas. Respeitar os movimentos sociais definitivamente não é o forte dos alunos da PUC-Campinas.
Eu como um homem, que jamais sofri ou vou sofrer as opressões do machismo, acho que tomei minha dose de empatia na minha formação como ser humano. Tal dose foi negligenciada assim como algumas vacinas que não constam na carteirinha de muitos. Não vou me silenciar, me retrair ou deixar para lá vendo uma mulher sendo calada por um individuo que no auge dos seus privilégios se acha no direito de debochar de um movimento tão importante e significativo como o feminista. E foi ai que eu sai da zona onde essas pessoas querem me ver, foi ai que ”invadi” a bolha que cerca esses estudantes e dei a cara a tapa para os alunos da PUC-Campinas baterem. Eles não perderam a oportunidade.
Assim que rebati a imagem anterior a ”piada” de extremo mau gosto, foi questão de minutos para a mina do campo explodir e os ”leões” começarem a me atacar. O primeiro veio com os dizeres ”Nego se queima”, foi como uma porta que se abria para uma imensidão de ódio, hipocrisia, racismo e covardia. Os diversos comentários a seguir seguiram a mesma linha de com diversas montagens extremamente ofensivas, colocando a figura do negro de modo pejorativo em diversas situações. Quando finalmente alguém interrompeu o show de horror protagonizado por estudantes de Direito e de outros cursos da PUC, a decadência foi ainda maior. Algumas alunas indignadas com a capacidade daquelas pessoas em seres tão baixas, começaram a rebater as postagens e dizer que estavam tirando prints e que futuramente haveria uma denúncia por tudo aquilo. Eu realmente não tinha condições psicológicas até aquele ponto nem para avisar que estava ali também tirando prints e visualizando tudo. O espetáculo racista chegou ao ápice! Agora começaram as justificativas no intuito de dourar a pílula, os deboches quanto ao fato da futura denúncia e a continuação das imagens ofensivas. Alguns logo partiram para a defensiva, alegando que tudo era racismo hoje em dia, tudo era preconceito, nada mais podia ser levado como brincadeira. Outros riram, debocharam se divertiram com o fato de uma haver uma suposta punição em resposta a todos aqueles atos repugnantes. Já outros não queriam perder o embalo e nem perder a oportunidade e o calor do momento.
Continuaram com as imagens como uma masturbação que satisfazia o ego de cada um ali presente. Os três perfis agiam de modo irracional como se cada um ali fosse necessário para preencher a amaciar o ego do outro. A matilha parecia fortalecida onde um complementava a boçalidade do outro. A moral de cada um era reconstruída post a post como se em grupo o peso da culpa fosse minimizado e a consciência polida. Um show de horror, ignorância, desrespeito e intolerância.
Poderia omitir isso e jamais tornar o fato público por simples e puro orgulho, porém, essa é a realidade; não é fácil bater assim de frente com o racismo, muito menos encara-lo e tentar supera-lo. Um grupo de pessoas brancas, que jamais sentiram ou vão sentir o racismo vigente nessa sociedade, tentando de forma vexatória justificar seus atos definindo o que consideram ou não racismo. Eu me pergunto: com que propriedade essas pessoas podem vir me dizer o que é racismo? Quem elas pensam que são para dizer o que devo ou não considerar racista? Será que elas acham que eu devo consultar o Barão de Itapura para questioná-lo o que é ou não racismo? Eles brincam com a minha etnia de modo depreciativo, eles usam imagens extremamente simbólicas com a do Ka Klux Klan, eles ignoram qualquer processo histórico ou cultural, eles riem enquanto eu choro e ainda querem definir o que sofro ou não? E a impunidade institucional?
Infelizmente tentam nos silenciar, querem rir da nossa cor, da nossa história, da nossa cultura, sem serem atingidos. Querem possuir o mesmo direito que seus antepassados em nos explorar, humilhar e depreciar sem que haja consequências. Ao contrário do que li naquela infeliz postagem, o racismo não está na minha cabeça, está na sala de aula, no glorificado pátio, nos olhares, no sacarmos, na atitude de quem o alimenta firme e forte, de quem o dissemina, de quem doura a pílula por uma questão moral mas não perde a oportunidade de entre linha postar imagens com negros atreladas a frases vexatórias. Não me responsabilize pela opressão que sofro!
Depois de horas de zoação o post parou. Fim? Não! Eu não tinha parado ali, eu permaneci mal, com uma sensação de impotência, de solidão, de vergonha. Eu andei no campo minado dos leões, eu passei da linha permita pelos felinos com garras virtuais, eu estava ocupando e resistindo. Assim não dá, é demais para eles aceitarem que um negro queira debater ou colocar em pauta qualquer assunto. Defender feminismo então? Nossa, como dito pela primeira imagem ”eu estava me queimando”. A minha vontade era de não voltar. Estava decido a largar aquele lugar. Ficar em uma cidade nova, sem meus pais, sem amigos, sem apoio moral e ainda tendo que conviver diariamente com colegas de curso racistas, infantis que disseminavam ofensas dessa forma tão despreocupados com o próximo? Como esses futuros advogados vão lidar com o próximo? O que a PUC está formando? Como uma pessoa negra vai ser atendida por eles? Como eles vão advogar ou seja lá qual for a função jurídica deles, em um país com uma população de maioria negra e feminina? Tudo o que eles julgam, debocham e negligenciam. Decidi voltar para São Paulo e me calar perante aos meus pais. Se eu fiquei frustrado com a realidade vigente na PUC-Campinas, imaginem eles que tão felizes ficaram ao me deixar aqui.
Estamos em 2015, a escravidão acabou há mais de 100 anos. Muitos usam do tempo para deslegitimar nossas queixas e denuncias de racismo que ainda são constantes na sociedade principalmente em ambientes como a PUC onde a realidade vivida pela maioria dos alunos não condiz com a realidade fora do portão.
Levo desse acontecimento aprendizado e saio fortalecido. Tenho mais cinco anos ao lado dos leões e sei que muitos outros acontecimentos vão ocorrer, pois enquanto houver esse tipo de aluno que desconsidera tudo e todos e vive apenas em função de amaciar seu ego, haverá acontecimentos boçais como o meu e o de outros negros. Enquanto a PUC não tomar uma medida energética contra esses alunos e continuar ignorando o fato de que existem opressões internas e que elas estão cada vez mais frequentes e banalizadas, esses alunos vão continuar agindo como seres irracionais e debochando como se o universo PUC pertencesse exclusivamente a eles. Lamento, mas assim como eu, outros vão continuar chegando, ocupando e resistindo a todos os problemas silenciados e pouco assistidos da universidade. Minha cor não é motivo para piada. A história da minha etnia não é humor. As consequências sociais da nossa história não é um passatempo. Minha melanina não é motivo para hipersexualização. Não há graça nem humor em toda essa história e sim uma juventude problemática, hipócrita e cronicamente racista. Seu mimimi é a nossa história, seu vitimismo a nossa dor.”