A Apropucc (Associação dos Professores da PUC-Campinas) soltou uma nota nesta quinta-feira (15) sobre as situações de racismo narrada pela aluna Stephanie Ribeiro e sobre o manifesto publicado originalmente pelo site Blogueiras Negras (veja nota e, mais abaixo, o manifesto).

Nota da Apropucc contra o racismo na PUC-Campinas

PUC-Campinas
Universidade tem uma aluna negra entre 200 do curso de Arquitetura

A Associação dos professores da PUC-Campinas vem, no papel que lhe cabe, manifestar sua preocupação e perplexidade diante das denúncias de racismo presente no interior da instituição e amplamente divulgadas nas redes sociais. Veja manifesto público. Sabemos bem que este é um problema histórico de toda a nossa sociedade e que vem se tornando cada vez mais explícito, à medida que políticas públicas de afirmação das identidades, de direitos humanos e das minorias vão dando passos para a transformação social desejada no Brasil. Com frequência temos testemunhado manifestações de racismo e de outras formas de preconceito em vários setores (escolas, universidades, hospitais, futebol…) e, muitas vezes, por pessoas de visibilidade pública.

Porém, o caso da aluna do curso de Arquitetura nos revela o quanto, no cotidiano da universidade e de nossas relações sociais, o racismo está presente; o quanto a maioria das pessoas que o traduzem em suas falas e gestos não se reconhecem como tal… Sabemos que o preconceito racial e o de classe (assim como outras formas de preconceito) são muito mais evidentes em cursos tradicionalmente elitizados, mas não só. São justamente as formas de preconceito e discriminação que estruturam as relações de violência no cotidiano, tão conhecidas por todos nós.

Ficamos preocupados com o fato de a aluna, ao denunciar o racismo sofrido no interior da instituição, ter dito receber como resposta da instituição “nada podemos fazer”. A Apropucc, diante de tal denúncia, está solicitando informações sobre as medidas tomadas pela Universidade para esclarecer e resolver o caso. Nesse momento, em que todos esperam que a instituição esteja preparada para lidar com um problema do qual ela também é responsável, temos uma ótima oportunidade para refletirmos se os valores que permeiam o cotidiano da PUC-Campinas refletem os objetivos e a missão que esta se propõe.

A Universidade tem professores, diretores, reitores e instrumentos acadêmicos – não para resolver todo o problema, pois esse é um problema que transcende a universidade – mas para identificá-lo, para dar exemplo, para buscar mecanismos internos que favoreçam a mudança de mentalidade e fazer aquilo que uma universidade que se pretenda de excelência deve fazer: formar o aluno, não só para ser um técnico, um profissional…, mas para ser cidadão responsável, crítico, ético e solidário, capaz de intervir nessa sociedade desigual, onde uns são mais humanos que outros. (Apropuc)

Manifesto de Repúdio ao Racismo na PUC Campinas

O racismo é uma violência que mata, adoece, incapacita. É dever de toda instituição educacional não apenas entender mas garantir que o lugar do negro seja dentro da sala de aula como estudantes, professores e pesquisadores. Essa inclusão deve ser quantitativa e prezar pela qualidade, pela promoção de um ambiente seguro onde cada estudante negro possa desenvolver todo seu potencial acadêmico.

Negar o racismo é mais uma estratégia de manutenção do racismo. Num país como o nosso, onde o racismo é um elemento estruturante dessa sociedade, não se pode fechar os olhos para quando atitudes assim acontecem. O dever de uma instituição de ensino é promover o debate, fomentar a discussão e, acima de tudo, não ser conivente com tais práticas. Não pode incorrer em violentar duplamente quem está sendo a vítima.

Necessário e urgente perceber que a população negra vem sendo há séculos violentada e tendo seu acesso à cidadania negado por conta desse sistema ideológico que visa mantê-la à margem da sociedade. Logo, quando uma denúncia é feita, está se combatendo esse sistema e não pessoas. Pessoas que sentem ofendidas com determinadas denúncias são as mesmas que estão sendo privilegiadas há gerações por esse mesmo sistema. Questionar privilégios é o primeiro passo para se combater o racismo.

Como entender que uma instituição universitária que se diz compromissada com valores como solidariedade, compromisso social, pró atividade, responsabilidade com a formação integral da pessoa humana possa aceitar que atitudes racistas sejam repetidas vezes apresentadas por seus alunos? E, diante das denúncias deste racismo, argumentar cinicamente que aqueles que estão sendo denunciados estão se sentido prejudicados? Como essas pessoas podem se dizer ofendidas pelo fato de uma aluna negra denunciar o racismo que sofre? Por que se ofendem com a denúncia e não com o racismo que violenta? Estes são questionamentos necessários para quem diz querer combater esse mal.

Stephanie Ribeiro, mulher, negra, feminista, única estudante de Arquitetura e Urbanismo numa turma com outros 200 não negros teve sua liberdade de expressão cerceada quando seus comentários nas redes sociais sobre o racismo sofrido se tornaram conversas nos corredores da instituição. Logo em seguida, alguém e sentiu confortável o bastante para pixar em seu armário uma frase que em retrospecto parece profética – “Não ligamos para as bostas que você posta no Facebook”. Essa também tem sido a resposta própria PUC Campinas que, além de não verificar as denúncias sobre as violências a que tem sido submetida a estudante e providenciar a devida assistência agora compactua para a promoção do racismo ao retirar a jovem da sala de aula e submetê-la a uma reunião com diretores da instituição, onde foi informada de que Pais, Alunos e Professores estão se sentindo prejudicados por suas denúncias.

Racismo jamais é um mal entendido da parte de quem o sofre, a preocupação destas pessoas e da própria PUC Campinas deveria ser com a existência de tamanha violência dentro da instituição, ao invés de possuírem a necessidade de mascará-lo com o argumento de que somos todos humanos e desta forma tratados da mesma maneira.

Utilizar a desculpa de que somos todos humanos só encoberta a questão do racismo, não se pode invocar o conceito de igualdade abstrata quando na prática, o que se verifica é a desigualdade; a começar pelo número de estudantes negros e negras e do corpo docente. Apenas dizer “somos todos humanos”, é mais uma forma de manutenção de poder e das opressões, porque sabemos que socialmente uns são mais humanos do que outros. Que somos tratados desigualmente.

Negar o racismo é ser conivente com ele. Exigimos que as denúncias feitas sejam averiguadas e que Stephanie Ribeiro tenha salvaguardado seu direito de frequentar a universidade sem ser hostilizada e intimidada.

Repudiamos as atitudes racistas sofridas por Stephanie Ribeiro e consequentemente a inércia da instituição PUC Campinas ao não tomar uma atitude condizente com o enfrentamento do racismo, ser conivente com ele.

Não admitiremos que mais uma vítima seja silenciada, que mais um relato seja deslegitimado e que um crime seja tratado com a naturalidade de um sistema que cerceia direitos e violenta pessoas.  Não aceitaremos que a hegemonia branca atinja e prejudique nosso direito a uma educação digna. Exigimos que as denúncias de racismo sejam apuradas bem como a integridade física e psicológica da aluna seja garantida.

São Paulo, 09 de Maio de 2014

SUBSCREVEM ESTE DOCUMENTO

Blogueiras Negras – blogueirasnegras.org;

FPLP-SP – Fórum de Promotoras Legais Populares de São Paulo;

FME-SP – Fórum Municipal de Educação de São Paulo;

Mapô – Núcleo de Estudos Interdisciplinar em Raça, Gênero e Sexualidade da UNIFESP – Guarulhos;

NNUG – Núcleo Negro UNIFESP Guarulhos;

Coletivo de Mulheres da Baixada Santista;

Moce você é Racista – fb.com/ pages/Moçe-Você-É-Racista/586164718067661;

Gorda e Sapatão – gordaesapatao.com.br;

COEP – Comunidade de Olho na Escola Pública;

Coletivo Meninas Black Power;

Coletiva das Vadias de Campinas;

Machismo Chato de Cada Dia – fb.com/MachismoChatoDeCadaDia;

Blogueiras Feministas ;

APROPUCSP– Associação dos Professores da PUCSP;

Coletivo Revide;

Marcha das Vadias Curitiba;

Núcleo de Consciência Negra na USP;

Coletivo Transfeminismo;

COMULHER – Comunicação Mulher;

Núcleo de Jornalistas Afrobrasileiro do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul;

Coletivo Negrada;

Entre Luma e Frida;

Centro Acadêmico XXXI de Outubro – Escola de Enfermagem da USP;

Juventude da CONEN;

Movimento PARATOD@S/PARATODAS;

Juventude Negra do PT (JN13);

Frente Perspectiva – Mackenzie;

Juventude do PT;

Centro Acadêmico de Psicologia – PUC-Campinas;

Rede de Mulheres em Comunicação;

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social;

LBL – Liga Brasileira de Lésbicas;

Frente Feminista da UNICAMP;

Coletivo Mulheres Negras;

Secretaria Nacional da Juventude do PT;

Coletivo Até Quando – Direito PUC Campinas;

Movimento RUA Juventude Anticapitalista;

Insurgência;

Campanha Reaja ou Será Morta , Reaja ou Será Morto ;

Quilombo Xis Ação Cultural Comunitária;

Coordenação Nacional da II Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro;

CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras;

Movimento Unidade na Luta – PT;

Fórum Nacional de Mulheres Negras;

Coletivo de Mulheres UFRJ;

ECCOS;

LSR – Liberdade, Socialismo e Revolução;

Movimento Pelo Direito Sempre!- gestão do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO – Direito – UFRJ);

Kilombagem;

NECINE – Diretório Acadêmico de Cinema da Uff;

Coletivo Feminista da Letras USP Marias Baderna;

Frente Feminista Casperiana Lisandra;

Coletivo de Combate ao Racismo da SubSede CUT Campinas;

Núcleo de Consciência Negra da Unicamp;