No próximo dia 15 de março milhões de brasileiros irão às ruas exercer seu legítimo direito de reivindicar melhorias, demonstrar indignação, revolta e vontade de mudança. Acho ótimo que as pessoas se indignem contra o que lhes parece errado.
Será um grande exército unido pela mudança, gritando em uníssono: “FORA, VACA FILHA DA PUTA!”, “O PAÍS NÃO É DOS PETRALHAS!”, “FORA, CORJA DE BANDIDOS!”, “EU, EU, EU, PAU NO CU DO ZÉ DIRCEU!”. Alguns dirão: “INTERVENÇÃO MILITAR JÁ!”, “QUE VOLTE A DITADURA, “QUALQUER COISA É MELHOR QUE ISSO!”, “O LULA É O CHEFE DA QUADRILHA!”, “CADEIA PRA JARARACA MENTIROSA!”, “CHEGA DE MENTIRA!”.
Vou interromper essa bela explanação de argumentos porque gostei do “CHEGA DE MENTIRA!”, também acho que chega, por isso dou a maior força para o movimento “chega de mentira, só que não”.
Acho importante que as pessoas percebam a mentira dos políticos e não quero ofender ninguém chamando de mentiroso, acho natural do ser humano. Eu minto. A mentira política afeta mais gente, apenas isso.
Os políticos mentem, ou não precisariam pagar milhões a marqueteiros, especialistas em propaganda enganosa, para conduzirem suas campanhas, tanto os de direita, quanto os de esquerda.
Eles precisam mentir para chegar onde querem e também precisam mentir para ficar onde já estão. Todos eles, independente do partido, mentem e sempre mentiram. Claro, dizem a verdade também, são humanos.
Por que metem? Ora, porque nós acreditamos. Porque garantem, até prometem uma vida melhor para todos nós. Mas nós, “o povo”, somos muitos, não só eu, não só você, não só o estado de São Paulo, cada um com um modelo de o que seja uma vida melhor. Mais que isso, cada um com a capacidade própria de fazer melhor a sua vida. O modelo defendido pelo político e seu plano de governo são incapazes de contemplar e trazer uma vida melhor a todos. Então, se ele disse a verdade para um, certamente mentiu para outro.
Cada um é o condutor de sua própria vida e não é fácil conduzir, mas nós acreditamos que garantimos benefícios para nossas vidas dando a condução das mesmas a outra pessoa que tenha o status de político. Já o político pode até acreditar que aja pelo bem comum, mas sabe que está, antes de tudo, garantindo benefícios para a sua própria vida ao se tornar um político.
O político não é um deus que possa facilitar a vida de todos, e nós, por experiência, já sabemos disso literalmente, historicamente e obviamente, mas continuamos acreditando neles.
Quem garante que pode acertar a vida de milhões é um iludido dos mais ingênuos ou alguém que encontrou um jeito de acertar a sua própria vida, mentindo para milhões.
Mantemos há séculos uma classe poderosa, dona de privilégios e regalias injustas e impraticáveis num mundo onde os recursos são escassos e que carece de sustentabilidade. Mantemos uma categoria que se que se alimenta de nosso esforço e conta com a nossa ignorância para sobreviver.
Mas ter ódio de um político também não é racional e não alivia o nosso fardo.
O político é uma criança que cresceu acreditando na mentira de que um homem sozinho pode saber o que é melhor para todos os outros.
O político é a criança que cresceu acreditando na mentira de que um homem é capaz de impor leis que controlem instintos e desejos individuais de tanta gente diferente, de uma só vez.
O político é a criança que cresceu acreditando na mentira de que uma decisão que ele tome, por mais que lhe pareça a única correta, possa agradar a toda a sociedade.
O político é a criança que cresceu acreditando na mentira de que o ser humano não é capaz de se auto gerir e que precisa do Tiririca, do Aécio, do Tancredo, do Lula, do FHC, da Dilma, do Obama, do Color, do Bolsonaro, do Maluf e outros tantos, para mostrar a ele o que fazer.
Crescido nessa ilusão ele logo nota que é impossível cuidar da vida de tanta gente e gente tão plural ao mesmo tempo. Trata de garantir o que é possível, uma boa vida para si e para seu círculo de influências, porque, afinal, todos tem que cuidar das suas vidas. Cria leis e toma medidas em prol da parcela da sociedade que pensa como ele e de quem se parece com ele, mas, devo lembrar, somos diversos.
Seu universo se fecha e seus contatos mais próximos têm os mesmos interesses dele, daí acha que o mundo que vale a pena é formado por pessoas como as que o circundam e o restante são os idiotas, os inimigos, os subversivos e o povo, que ele passa a enxergar como votos.
Inventa inimigos onde há semelhantes e odeia os diferentes, sempre os culpando pelo fracasso de seus planos de sanear o mundo. Mas sanear o mundo será impossível enquanto nos polarizarmos e nos odiarmos pela inevitável vontade da natureza de que sejamos diferentes.
Respeitando estas diferenças e livres de “rabos presos” e burocracias é que algumas iniciativas particulares, ongs, rppns, etc. têm conseguido excelentes resultados em educação, segurança, sustentabilidade e inclusão, distantes das amarras da máquina pública.
Então, quando qualquer político em campanha diz que vai investir mundos e fundos e assim resolver os problemas da educação, ele está mentindo, porque o povo verdadeiramente educado e pensante passa a entender que não precisa de políticos nesses moldes. Ele não nos quer pensantes.
O político que garante que vai acabar com a violência sabe que está mentindo, pois a indústria armamentista, que se alimenta da violência, financia a campanha eleitoral dele e até a do seu rival, é muito poderosa e não quer que isso aconteça.
O político que promete governar em prol do meio ambiente sabe que está mentindo, pois tem as mãos atadas pelos poderosos que produzem sementes transgênicas e agrotóxicos e por latifundiários a quem a sustentabilidade em nada interessa.
Não se pode prometer também saúde e moradia tendo o rabo preso com empreiteiras e com indústrias farmacêuticas e eles sabem disso. E nós sabemos disso, mas gostamos de acreditar neles.
Aí, iludidos pela verdade mentirosa que todos criamos e que dá a eles superpoderes, tomam gosto (claro, não os culpo, são humanos e não deuses) pelas mordomias, regalias, imunidades e se viciam nesse poder. Fazem de tudo para sentirem esse poder o tempo todo pertinho deles. Para isso, passam de salvadores da pátria a tiranos, gananciosos e se acreditam uma casta superior.
Eles são mesmo uma casta superior, pois nós criamos e alimentamos esta ilusão. E nós, indireta e inadvertidamente, criamos também a casta inferior, onde nos colocamos passivamente e nos perpetuamos a cada voto.
O ditador é um ser humano político igual aos outros, só que, mais poderoso, mais viciado e mais disposto a tudo para ter o poder em mãos.
Mas, voltando a 15 de março, quem irá às ruas, verdade seja dita, é uma parcela muito significativa da população composta de pessoas a quem respeito e quero bem. Meus semelhantes apesar de algumas diferenças. Parcela que, em regra (generalizar é muito perigoso), tem um pensamento de direita, porque foi criada dessa forma, aprendeu que o correto era ser capitalista, que defende a meritocracia e a “livre” concorrência, que teme que a esquerda só queira implantar uma ditadura comunista, que sempre se opôs ao PT e nunca conseguiu engolir o poder nas mãos desse partido. Também há os que se desiludiram, por motivos diversos, com esta administração. Deve haver alguns indignados com a corrupção e a mentira que acreditam que isso tudo é novidade. E há os que vão na vibração do ódio onde quer que o ódio esteja.
Outra parcela importante da população, composta também de pessoas a quem também respeito, ficará em suas casas. Ou para evitar o tumulto, ou por acreditar que este não é o melhor momento para se exigir um impeachment, por acreditar que na história do Brasil já houve barbaridades tão maiores do que as que ocorrem nesta gestão e que nunca foram investigadas nem tratadas com tanto rigor. Em regra esta parcela será composta por pessoas criadas num ambiente que apregoava as benesses da esquerda, como uma sociedade igualitária e sem miséria, e os efeitos nefastos da direita.
Também haverá as pessoas contrárias ao movimento porque se consideram beneficiadas de forma justa pelo atual governo. Pessoas que hoje conseguiram mais dignidade e condições de cidadania do que tinham antes dos anos petistas e não se consideram ladrões nem preguiçosos e nem projetos de ditadores comunistas.
Muitos estarão em suas janelas nutrindo seu ódio contra aqueles das ruas e vice-versa. Só conseguem imaginar um mundo melhor e mais justo sem a presença dos diferentes. Uma guerra de ódios e certezas que tira a razão de qualquer argumento, mas assim é a história e assim vai se repetir, até que entendamos que o maior inimigo é outro, mas está longe de ser “o outro”.
É importante que ambas as parcelas tomem conhecimento da grandeza uma da outra e de que ambas são complementares e compostas por seres humanos com um código genético praticamente igual. É importante que saibam que nenhuma delas foi eleita representante inquestionável do Brasil. É importante notarem que hora uns, hora outros, são melhor ou pior representados pelos políticos que elegem. É importante que notem que, se a mudança que querem é a aniquilação uns dos outros, isso não é mudança, isso é insistir no ódio e já não deu certo. É importante que vejam que estão se odiando não por que uns querem mudar e outros não, mas por querer trocar uma peça caríssima da qual não precisamos mais.