Dadas as circunstâncias, é possível ter convicção de que os primeiros dois anos do segundo mandato da presidente Dilma serão dificílimos não só pela inúmeras dificuldades impostas por um legislativo de maioria oposicionista, diversidade que teoricamente fortalece a democracia, mas os próximos meses são também cruciais para o PT venha a elaborar o trabalho hercúleo que será a reconstrução de sua imagem.
A rigor, a opinião pública tem motivos bem justificados para considerar o partido uma quadrilha, mas é uma pena que só a situação seja, ainda que merecidamente, vista desse jeito. No imaginário popular aquela figura do “rouba mas faz” ainda é o que decide muitas eleições, e outra expressão bem recorrente tem lá seu fundamento. É o tal do “não rouba mas deixa roubar”.
Pessoalmente, acho muito difícil imaginar grandes lideranças como Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab, Dilma Rousseff, Gleisi Hoffman, José Sarney, Simão Jatene entre muitos outros, com a mão na massa, no entanto, a estrutura institucional das organizações políticas, viciada pela indicação de cargos de confiança, prova que qualquer coisa pode acontecer sem que o executivo responsável tome ciência imediata da bandalheira. Investigar uma eventual omissão depois de já estabelecido o esquema cabe as autoridades competentes.
Pilar de uma estrutura falida, o patrimonialismo está enraizado de tal forma em nossa cultura política que grande parte da população realmente acredita não haver diferença entre o estado e aquele que o representa, especialmente, mas não só, em áreas rurais. Por exemplo, é difícil imaginar um ribeirinho do Pará cobrando qualquer coisa, mesmo que seja saneamento básico, de Jader Barbalho ou do falecido Almir Gabriel, gestores sofríveis que transformaram esse adjetivo em títulos de nobreza e fizeram de um estado democrático, assim como qualquer outra federação brasileira, uma autocracia. Infelizmente essa é mais uma prova de que o senso de coletividade é algo ignorado até mesmo por líderes experientes, e é raro quando a experiência converte-se em competência.
Instituições políticas com estrutura patriarcal em pleno século 21 simplesmente não permitem a seus gestores diferenciar o que é público e o que é privado, e nesse contexto o princípio de obediência ao chefe “sem mais” parece ser agravado pela influência da religião sobre os princípios básicos que devem reger o estado laico e democrático. Laico e democrático.
Dessa forma, política virou religião, e “religião não se discute”. Basta tomar conhecimento das prioridades da câmara, presidida por um cristão fundamentalista. O filósofo René Girard foi muito claro em sua Teoria do Bode Expiatório quando detalhou que “se todos os homens que desejam a mesma coisa nunca se entendem, já os que odeiam em conjunto o mesmo adversário entendem-se muito facilmente.” Em bom português, falar de política está na moda, e aparentemente a moda é apenas falar mal, independente de nível municipal, estadual ou federal. Não que haja muito do que falar bem, diga-se de passagem, mas há quem torça para a situação sempre piorar, já que depois vai ter prazer em dizer “eu avisei”.
A oposição por oposição, presente desde sempre, continua vivíssima num governo de 31 partidos em que as coalizões são formadas com base em troca de favores, e não por afinidade ideológica. Geofrey Blainey desconstrói a teoria do bode expiatório em um recente estudo sobre as causas da guerra e da paz, mas apesar da excelente argumentação usada pelo historiados de Harvard, a teoria parece incrivelmente atrelada ao posicionamento político de grande parte da classe média brasileira: bem comum não, ódio comum sim.
Pedro Santa Helena – Entrelinhas