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Alda Maria Abreu em “Autorretrato com Chapéu”

A arte de escrever com o corpo

Resultado da Taanteatro Oficina de Residência 2015 foi apresentado ao público, um trabalho coreográfico que associa a obra de Antonin Artaud a de outros poetas malditos

Atores e bailarinos extrapolaram os cenários convencionais no último sábado (14) ao apresentarem performances na sede rural da Companhia Taanteatro, em São Lourenco da Serra (SP). A companhia de dança – que completa 25 anos em 2016 – realiza há 15 anos oficinas de residência, sob a direção de Maura Baiocchi e Wolfgang Pannek, num trabalho que tem por base as técnicas do “teatro coreográfico de tensões”, resumido na expressão “taanteatro”. Nas oficinas, prevalece a integração da dança com a natureza, com intérpretes em relações simbióticas com a terra e a água, lembrando a função dos xamãs que podem “voar para outros mundos”, entrando em contato com seus aliados animais, vegetais e minerais transformados em elementos de arte.

A série de performances, mostrada no sábado, foi resultado da TTOR – Taanteatro Oficina de Residência – que durou cerca de duas semanas, com os participantes em permanente contato para realizar um trabalho que despendeu cerca de 10 horas diárias de atividades. A vivência culminou com as apresentações que reuniram um público surpreendido pela forma anticonvencional de levar a arte para além dos limites das salas de espetáculos, numa troca também do cenário urbano pelo rural.

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Romina Martelotto em “Raquel”

A oficina seguiu duas temáticas: a Mitologia Pessoal – baseada na memória de cada um dos participantes e suas influências culturais – e a investigação da vida e obra de Antonin Artaud, artista considerado psicótico, cujos processos artísticos influenciaram fortemente o teatro contemporâneo. Artaud é objeto de pesquisa do grupo que vai dedicar 2015 a um amplo projeto chamado cARTAUDgrafia, composto de três espetáculos, cursos e palestras.

Artaud e um grande campo de influências criativas – que inclui a obra de poetas e artistas malditos como Friedrich Hölderlin, Van Gogh, Edgard Allan Poe, Gérard de Nerval, Lautréamont, Alfred Jarry e Rimbaud, entre outros – abriram espaço para performances diversificadas que tiveram como um dos temas principais a arte e a loucura. Some-se a isso as influências de um grupo que contava com brasileiros, argentinos, uma costarriquenha, um italiano e um britânico, e o resultado é uma cartografia multicultural que transpareceu nas performances de dezesseis intérpretes, divididas em três blocos e apresentadas das 10 às 17 horas, com intervalos para descanso.

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Paloma Rocha em “Passarah”

A primeira performance, de Daiane Nascimento, chamada “A Boa Nova”, aconteceu ao ar livre tendo como ponto de partida a Mitologia Pessoal, conceito que implica na investigação das origens familiares e culturais dos bailarinos. Daiane que começou a performance numa pequena clareira entre as árvores, rolou para dentro de um riacho onde encerrou seu trabalho numa espécie de transe, numa integração pessoal não só com a natureza, mas com mundos imperceptíveis incorporados num processo artístico. Lembrou uma Oxum emergindo com sua força mágica. Ainda sob a ótica da Mitologia Pessoal, a cineasta e atriz Paloma Rocha criou a performance “Passarah”, um exercício plástico que remeteu ao nascimento de uma ave numa inversão de ciclos: da plumagem branca ao despojamento do corpo nu, pintado de preto. Uma pedra na boca, deixada no colo de uma pessoa do público, trouxe a ideia da vida, do ovo, através de um elemento mineral.

Poesia em movimento

No plano da construção do projeto cARTAUDgrafia as performances foram diversificadas, com os participantes fazendo a ligação da obra de Antonin Artaud com a de outros poetas. Em alguns casos, a criação foi associada também à Mitologia Pessoal, como na performance “Voo”, da bailarina Patrícia Pina Cruz, que mesclou a obra de Edgard Allan Poe e Artaud a suas próprias experiências: “Eu detestava o poema O Corvo, de Allan Poe, achava lúgubre. Mas depois fiz associação das perdas dele e de Artaud com as minhas próprias perdas e o resultado foi este trabalho,” – explicou Patrícia, que criou uma performance em que a expressão dos olhos remeteu aos versos de O Corvo: “A ave que na minha alma cravava os olhos fatais/ Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando / No veludo onde a luz punha sombras desiguais”

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Rodolfo Ossés em “Invito a la Vida”

Marcelino Bessa mergulhou na obra de Gérard de Nerval, cujo romance mais conhecido, “Aurélia” – publicado em Paris em 1855 – deu origem a uma narrativa corporal. Intitulada “Mundo Invisível”, sua encenação contou com um ágil movimento de mãos à frente dos olhos, com dedos que se abriam e se fechavam como pálpebras. Na composição de Aurélia, na verdade uma mulher que morreu precocemente e foi a obsessão de Nerval, Marcelino optou pela escuridão dos umbrais incorporando Lilith, o emblemático demônio feminino que representa a volúpia e a tortura psíquica. Um trabalho profundo que contou também com inserções do ocultismo, tudo isso servindo de paradigma à obra de Artaud.

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Paula Alves em “Homem de Areia”

A bailarina Alda Abreu apresentou “Autorretrato com Chapéu”, inspirada em Van Gogh, entrou em cena com um chapéu cheio de velas. Uma referência ao hábito do pintor holandês que saia à noite pelos campos pintando à luz de velas cravadas em seu próprio chapéu para que tivesse a iluminação necessária. Isso, além de outras coisas, lhe valeu a fama de louco. Ao final da performance, a revoada dos corvos presente no última tela pintada por Van Gogh, foi dramatizada pela bailarina sobre um banquinho, simulando um voo, numa fusão das artes plásticas em curioso elo com Artaud.
A bailarina argentina Ariana Andreoli veio de Córdoba para fazer a oficina residência do Taanteatro. Trouxe na bagagem a experiência com o trabalho de clown que lhe valeu uma performance inspirada na patafísica – ou “a ciência das soluções imaginárias” – de Alfred Jarry. Bem humorada, ela mesclou em “Patafísica Mon Amour” o grotesco, presente na obra do poeta francês, com o lirismo anárquico. Com a boca espumando saliva na cena final, deu ao público um dos momentos de maior nonsense durante a mostra.

Coube a Lautréamont a citação de encerramento da série de performances. Fábio Pimenta investiu na expressividade máxima e mobilizou o público com sua versão de “Os Cantos de Maldoror”. Misturou os absurdos característicos do autor com o absurdo do cotidiano, como na cena em que escova freneticamente os dentes. Levou o público várias vezes ao riso ao expressar de forma plástica uma obra considerada complexa. Na plateia, Claudio Willer, tradutor de Lautréamont no Brasil, gostou do que viu e sugeriu uma evolução da performance para a composição de um espetáculo. Não é todo dia que o público se depara com tanta criatividade e diversidade na transformação de obras poéticas em trabalhos coreográficos.

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Daiane Nascimento em “A Boa Nova”

A oficina e a mostra de performances contaram com as participações de Ariana Andreoli, Romina Martelotto, Luca La Nonna Pacella, Manuel Pedernera, Daiane Nascimento, James Turpin, Paula Alves, Henrique Lukas, Mônica Cristina, Marcelino Bessa, Fabio Pimenta, Paloma Rocha, Patrícia Pina Cruz, Isa Gouvea, Tatiana Sobrado e Rodolfo Ossés. A orientação dos trabalhos foi de Alda Maria Abreu e Ana Beatriz Almeida.

Os conceitos de Artaud perpassaram todas as performances em associação com a obra de outros poetas malditos. Na diversidade dos trabalhos e na sobreposição de linguagens, notava-se aquilo que parece uma das coisas mais importantes em Artaud: a busca do indizível que está além dos códigos conhecidos de expressão artística. Em síntese, a busca de uma linguagem original e transcendente. (Célia Musilli/ Carta Campinas)

TTOR – Taanteatro Oficina Residência 2015
Direção: Maura Baiocchi e Wolfgang Pannek
Orientação: Alda Maria Abreu e Ana Beatriz Almeida
Participantes e performances: Ariana Andreoli (“Patafísica Mon Amour”); Romina Martelotto (“Raquel”); Luca La Nonna Pacella (“A Impermanência Implícita das Coisas Perecíveis”); Manuel Pedernera (“Homem Rato”); Daiane Nascimento (“A Boa Nova”); James Turpin (“Porcelane Gods”), Paula Alves (“Homem de Areia”); Henrique Lukas (“Homem Negro”); Mônica Cristina (“Volúpia”); Marcelino Bessa “Mundos Invisíveis”), Fabio Pimenta (“Stereo Sound System”); Paloma Rocha (“Passarah”); Patrícia Pina Cruz (“Voo”); Isa Gouvea (“Torre”); Tatiana Sobrado (“Exercício nº 3: não me toca?”) e Rodolfo Ossés (“Te Invito a la Vida”) .
Duração da Oficina: 2 a 13 de fevereiro de 2015
Mostra final: 14 de fevereiro na sede rural da Companhia Taanteatro