Apesar de todas as justíssimas reclamações, em nenhum momento de nossa história deixamos de ter um legislativo conservador. Se é que houve alguma longínqua esperança, foi entre 2003 e 2007, mas nada além de expectativa. Sendo assim, mas não só por esse motivo, sequer é possível considerar um retrocesso a eleição de Leonardo Picciani como líder do PMDB na câmara.
Em seu discurso de “posse”, o melhor deputado federal do Rio segundo a revista Veja não poderia ter sido mais demagogo ao falar em unidade partidária, já que as divergências internas de seu partido, desde sempre uma incógnita ideológica, não resultaram em rompimento formal com a situação simplesmente porque seu presidente é também vice presidente da república.
Desde então, porém, as convenções nacionais do PMDB dão independência total, mesmo que decretada por acordos tácitos, para seus deputados e senadores, o que na prática tem representado oposição. Apesar de contar com apenas 4 dos 74 membros da bancada evangélica, o partido pega-tudo tem Eduardo Cunha, e uma de suas prioridades é trazer de volta a pauta o Estatuto da Família.
O mercado da fé chegou ao ponto em que sua profissionalização permite a qualquer orador optar por um lucrativo empreendimento religioso isento de tributos e o auto-proclamado apóstolo Gilson Henriques, fundador da empresa “Missão Mundial Tabernáculo dos Profetas” na cidade de São Paulo, é um exemplo. Esse empresário dá consultorias para quem pretende iniciar sua própria igreja, e mesmo sendo um entre vários, seria imprudente questionar seu poder de manipulação. Tais habilidades de liderança são reais e não seria surpresa a eleição desse indivíduo para um cargo legislativo. A expansão de protestantismo é um fenômeno tão notável que, considerando a definição de Eric Hobsbawn na qual “a palavra ‘nação’ é atualmente usada de forma tão ampla e imprecisa que pode significar muito pouco”, é possível identificar essa propagação como um de nossos principais elementos nacionais, enquanto o número de não religiosos cresce em outros países.
Lideranças peemedebistas de histórico conservador como Lucio Vieira Lima, José Ivo Sartori e até mesmo Fernando Pezão já vêem a candidatura do partido a presidência da república como uma realidade em 2018, e sua tendência a alianças com PSC, que já ocorre em níveis regionais, e PRTB, do estilo déspota Levy Fedélix, reforça a tese de um estado evangelizador onde aqueles que optam por não aceitar a “palavra” são simplesmente marginalizados. Algo recorrente no que diz respeito a minorias por aqui.
Não obstante essa terrível influência, a bancada evangélica conta com o apoio quase irrestrito de 17 deputados ruralistas, totalizando 91 teocratas cada vez menos enrustidos. Existem diversos exemplos de líderes democratas-cristãos competentes como Konrad Adenauer, ex-chanceler alemão, e também é notável o bem que muitas religiões fazem a fiéis moderados, especialmente àqueles que não se sentem obrigados a converter seus conhecidos. Mesmo assim, o oportunismo de empresários da fé que ascenderam na política de forma questionável impossibilita uma relação de confiança com o eleitor ou com quem quer que seja. Acrescente nesse cenário um partido cuja única ideologia é não ter ideologia, e a república apostólica-missionária-mundial-do-tabernáculo-milagroso-da-cruzada-olhos-de-deus já tem até data de posse: primeiro de janeiro de 2019.