Ah, o fim do ano! O clima de natal por toda a parte invade nossas almas e faz o dinheiro evadir-se de nossos bolsos de uma forma inexplicável.
Bonito também é ver a sementinha do consumismo e da competição brotando no coraçãozinho de nossos filhos. Minha filha menor, por exemplo, disse que queria o brinquedo do comercial do canal infantil. Todos os brinquedos, de todos os comerciais de brinquedos, de todos os canais infantis, além dos brinquedos que as amiguinhas ganhariam.
Outra coisa que não deve passar sem um breve comentário, é a questão da decoração natalina. Ver nossas crianças admiradas com as casas da vizinhança, olhinhos brilhando, e depois faiscando contra você quando chegam à sua casa pelada, é um incentivo poderoso à compra compulsiva de lampadinhas e enfeites. Ao menos no meu caso foi…
Quando vi, na sexta-feira à noite, bem na hora da novela, minha família inteira entretida frente ao brilho luminoso que penetrava por nossa janela proveniente da casa do Almeida, dei um basta na escuridão e no meu complexo de inferioridade frente àquele vizinho chato. Sábado cedinho fui às compras, o Almeida não poderia me superar! Não novamente!
Comprei toda a sorte de enfeites e luzinhas, para dentro e fora de casa, além de uma bela (beleza é relativo) árvore de natal. As meninas ficaram no shopping enquanto fui preparando a surpresa. Montei a árvore, coloquei os enfeites, mas meu forte mesmo é instalação elétrica. Depois de 4 choques, uma queda da escada (pior, fui socorrido pelo Almeida) e da criação de 8 novos palavrões, tudo ficou perfeito.
Aguardei minha família à porta e pela reação delas à distância, tive a noção de quão sem graça fora nossa casa em todos os outros natais. Estavam maravilhadas, pasmas, babavam de ver! (a palavra baba será melhor explorada no capítulo “a árvore”). Bem, somados todos os dias de minha vida, nunca tinha sido tão abraçado e beijado como naquela noite e o melhor ainda estava por vir, o grand finale, a árvore!
Era uma árvore modelo “sequoia turbo” com todos os opcionais. Entramos e apagamos as luzes. O clarão de um relâmpago que anunciava o temporal me guiou até o interruptor das luzinhas piscadoras. Acionei o plug e demonstrando domínio sobre o equipamento (li o manual escondido), expliquei que havia 100 modos diferentes de piscar, desde o “degradê suave” até o modo “punk-rock pulsante mais alucinante”. Como gosto de impressionar, escolhi o modo “punk-rock pulsante mais alucinante”. Notei a crescente admiração das garotas pela árvore e por mim. Ficavam cada vez mais boquiabertas até que reparei em minha esposa, um filete brilhante e úmido que escorria pelo canto da boca. Com falsa modéstia, agradeci e disse que não era pra tanto. Reparei melhor e vi que todas estavam babando, com o olhar vidrado nas luzes. Minhas gatas gritavam e se debatiam como que possuídas. Foi então que começaram as convulsões, propriamente ditas.
Quando me dei conta do que estava acontecendo, tentei refrear minha gargalhada e quis ajudá-las, mas qual não foi minha surpresa quando vi meus braços e pernas dançando involuntariamente. A dança virou tremedeira e não me lembro de mais nada. Pelos meus cálculos e minha dor no corpo, fiquei me batendo inconsciente por umas 3 horas. O que nos salvou foi um bem vindo apagão trazido pela tormenta. As luzes malignas deram uma trégua e pude me reerguer. Logo recaí, escorregando na baba que se espalhava pelo chão.
Cambaleando, tirei o fio da tomada e fui conferir o estrago. As gatas resmungavam enquanto se lambiam descontroladas e me olhavam com ódio. Encontrei minha filha menor carpindo o canteirinho do quintal no meio da tempestade. A filha mais velha não voltou se dar bem comigo até hoje. Minha esposa, coitada, só encontrei na manhã seguinte, ainda meio abatida, na casa do Almeida.
Por isso que eu não gosto do consumismo…