Descolar a barba, a neve de algodão
A decoração, a gente, a paisagem é uma coroa mimada
endividando os olhos do manobrista
O décimo terceiro assalaria a moça linda de fome,
riso falso como artigo suíço feito na China
A vida farfalha nos cartões, o poeta formiga falas,
promoções, o peixe colore a sala
Natal, luzes de mentirinha, noites de dezembro!
O bendito poeta contabiliza eventos, papos e seguidores
embriagado de eu
O coração gasta as coisas de presépio, credita
apenas a caridade que retorna
O poeta shopping vence o ano montado em renas,
e, se preterido, desdenha o riso de Noel
Ele berra o corpo em cada clique, chilique em cada afirmação
Mas o escorpião não fala nem quer virar presente,
estudo ou programação
Ele não lê tudo, ele estila fundo no pré-sal do canto-fóssil
silenciado pela massa das ondas
Ele desmonta o Senado, a Bolsa, as delícias, o hoje
que envelhece de tanto se querer contemporâneo
O peso escuro das águas de chumbo apaga
a silabada da cigarra roncadora de 1,99
Neste Natal, dê um poeta pet a quem você desgoste,
há belas capas, há muitos ciosos de adoção
Também esqueça o Natal com um poeta calado
Ele cantará em você mistérios nunca dantes comerciados
e, seguramente, mal resenhados
Só você e ele e o peru virando urubu no forno
Pedro Marques
Poeta, compositor e ensaísta. Professor de Literatura Brasileira da UNIFESP. Editor do site Poesia à Mão. Autor de Manuel Bandeira e a Música (ensaio, 2008), Clusters (poesia, 2010) dentre outros. ([email protected])