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Quase da família

Por Rogério Bezerra da Silva 

Tenho dito em rodas de conversas com os amigos que, se tivéssemos um mês a mais de processo eleitoral, encerrado no último dia 26, os “fora PT”, “fora corruPTos” dariam lugar ao “não suporto ver os pobre melhorando de vida”, “onde já se viu, pobre comprando carro”, “não quero ver os impostos que pago sendo gastos para alimentar esses pobres”, dentre outras expressões de conteúdo semelhante.

Reforça esta minha percepção as tantas manifestações ocorridas pós-segundo turno eleitoral sobre os “nordestinos”. Coloco entre aspas, porque nordestinos, em todas as manifestações, não condiziam aos moradores da região Nordeste do País e sim aos pobres que, “menos informados”, teriam reelegido a Presidenta Dilma, independente de onde residam ou de onde tenham nascido.
É reforçada também pela ocorrência das manifestações de rua que, embora legítimas, bradaram pela volta da ditadura militar. Pessoas que conclamam a suposta retomada de seus direitos por meio de regimes antidemocráticos, da repressão e do aniquilamento de outrem não podem ter os direitos como objetivos centrais de suas ações.

No cerne de todas essas manifestações está o fato de que a emprega doméstica, considerada “quase da família”, não se submeter mais a “dormir no emprego”. Neste caso, a “quase da família” simboliza os milhões de trabalhadores brasileiros que, antes dos Pronatecs, ProUnis, bolsa de doutorado e mestrado e outras mais, exerciam as atividades ditas de “baixa qualificação”.

A “quase da família” passou a reclamar o cumprimento de seus direitos trabalhistas. Como pode, uma pessoa tratada como se fosse “quase da família”, cujas atividades compreendiam apenas que cuidar da casa (lavar, passar, limpar, arrumar etc.) e da família (dar mamadeira à criança, seu “quase um filho”, colocar a mesa do café da manhã etc.), agora querer trabalhar somente 8 horas diárias, não dormir mais no emprego e defender ser remunerada por cuidar também “das crianças”? Mais irônica que esta pergunta é que, mesmo os integrantes das “classes C e B”, que tiveram uma ascendência em sua renda na última década, compartilharem dos mesmos supostos.

É por estarmos transitando de um Estado preconizador de favores a um Estado garantidor de direitos, conquistados por meio de muita luta social, que ais manifestações contra os “nordestinos” se tornaram ainda mais presentes atualmente.

A camponesa já não se submete mais aos desmandos do “coronel”, pois agora possui fonte própria de renda, garantida pelas políticas sociais. Os comerciários já não se submetem mais aos assédios morais de seus gerentes e patrões, pois agora têm seus direitos garantidos por lei e, se necessário, conseguem rapidamente encontrar outros empregos que lhes ofereçam melhores condições de trabalho.

O filho do pedreiro já não está mais sujeito às agruras do destino, pois pode planejar seu futuro segundo uma profissão que queira seguir.
É pela “quase da família” estar rompendo as amarras que lhe prendiam aos favores e estar adentrando no campo dos direitos sociais que a “elite branca, estúpida e preconceituosa” esboça tamanho reacionarismo.

Que os comunistas clássicos não me ouçam (espero que também não estejam ouvindo aqueles que vêm classificando as práticas dos governos brasileiros nos últimos 12 anos segundo seus preceitos, para não rolarem em seus túmulos), mas se garantir diretos aos cidadãos é rumar ao comunismo, três vivas a essa marcha!

Rogério Bezerra da Silva é mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Atualmente é Assessor Legislativo.

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