Poesia não se data – suas palavras. Você morreu ontem de manhã, quando é ontem de manhã?
Chorei, mas não adiantou. Em nosso único encontro te perguntei: você chora às vezes?
Me respondeu com um riso confirmativo: toda tarde, o crepúsculo me entristece. Me admirei: um homem feliz que chora!
Eu disse à minha terapeuta: não estou triste, ele descansou, foi uma relação muito suave. Ela observou: nem todas as relações de amor são violentas!
Doce Manoel, você me salvou do ostracismo, da amargura de ser poeta sem leitor. Ganhei o leitor mais desejado do Brasil. O admirador. O pai poético.
Nos separamos há algum tempo quando você já não conseguia mais escrever. Sua letrinha quase indecifrável me comovia, mas eu não aceitava perdê-lo e ligava.
Uma vez você me disse: não gosto de falar ao telefone, não escuto, finjo que sim, e rio. Então, me toquei das várias vezes em que eu falava e falava e você ria.
Algumas vezes me entendia. Outras não, certamente. Mas, isso não nos abalava. Quando eu lhe perguntava se o incomodava com meus telefonemas, você respondia: sua voz é sol!
O sol que ontem à tarde me aqueceu e me impediu de ler sua morte como uma perda desesperante. Li sua morte como uma viagem para o silêncio maior, ao mistério-deus.
O Manoel que virou árvore e passarinho, vira música em meus instantes febris. Ouço The sounds of silence, Simon and Garfunkel, desde os quinze anos. Pouco entendo da letra, além do título que me estremece e da melodia que me despe.
Nua, fecho os olhos. Êxtase é voar a saudade.