Por Cida Sepulveda
Não aguento mais a onda de estratificação da cultura: cultura oficial, cultura marginal, cultura negra, amarela, branca, etc. É uma avalanche de ideologias e/ou crenças que separam pessoas, ideias e conhecimento em prol da ignorância.
Seja na favela ou nos bairros ricos da cidade, o essencial é achar o que há de valioso em matéria de cultura, em cada lugar, e propagar os achados, de tal forma que a cultura seja um bem comum.
Cultura e arte se faz com conhecimento e trabalho. Não adianta enfiar na cabeça das pessoas, sejam crianças, jovens ou adultos, a questão da liberdade de expressão e não lhes oferecer condições para que sejam capazes de se expressar com universalidade.
Universalidade, eis a chave para tirar da estratificação todo o conhecimento produzido pela sociedade global.
Li um artigo no O Globo sobre o trabalho do arquiteto e urbanista Oscar Grauer, venezuelano e morador dos EUA, que ministrou aulas em Harvard e no MIT. Ele afirma que até 2030, 2 bilhões de pessoas, no mundo, morarão em favelas, o dobro de hoje.
O pesquisador passou um ano na Colômbia e dez meses no Rio, observando lá e aqui, como funciona a integração das favelas às cidades, e diz: “A favela de Santo Domingo, em Medellín, tem uma das bibliotecas mais modernas do mundo e atrai estudantes da cidade inteira.”
Para ele, é necessário levar às favelas o que se produz de melhor em matéria de cultura, de modo que a região marginal tenha atrativos para todos os públicos. Isso provoca o movimento de ir e vir, contrapondo-se à exclusão cultural.
Eu diria mais: a proximidade dos diferentes fomenta a curiosidade, o desejo de conhecer mais. Esta minha conclusão não é científica, é de vivência.
Cresci numa cidade pequena. Eu era pobre, mas convivia com os ricos. Onde? No único lugar possível: na escola. Ao observar como viviam meus colegas, passei a desejar suas vidas, ou o que via nelas que faltava à minha.
Eis aí o maior dilema: como ser o outro?
A prática, a convivência, o aprendizado, formal e não formal e, principalmente, o acesso ao que há de melhor em matéria de cultura, é que pode nos levar a novas dimensões existenciais, a respostas aos intensos e profundos questionamentos que começam na infância, naturalmente; continuam fortemente na adolescência; e se prolongam na maturidade, através da reflexão e da expressão artística, religiosa, filosófica, etc.
A frase do arquiteto: “A favela é linda, mas ninguém a visita” é muito instigadora: o que há de belo lá?
Há vida. E onde há vida, há desejo, sonho, ação.
Desejo, sonho, ação são elementos universais.
E, para não me restringir ao palavreado, cito uma prática cultural que tem dado muitas alegrias à sua pequena e forte comunidade: na Escola Municipal Maria Pavanatti Fávaro (que não fica numa favela, mas se encontra distante da pouca produção cultural campineira) são realizadas várias e diversificadas ações educativas que fogem ao lugar comum.
Nessa escola, convivem muitos diferentes e, apesar de todas as limitações inerentes às instituições públicas de ensino brasileiras, há muita vontade de se superar, de ir além do desânimo geral que impede ações mais ousadas e criativas.
A Fanfarra Pavanatti é um dos exemplos de resultado concreto do trabalho realizado pela comunidade escolar: acaba de ser vencedora do Concurso Regional de Fanfarras da cidade de Caieiras, SP, na categoria “Fanfarra 1 pisto infanto-juvenil”, do qual participaram muitas escolas.
Microações como as da Pavanatti precisam ser valorizadas pelo poder público, pela sociedade, de modo a servir como referência para outras instituições de educação.
Enfim, a integração entre ricos e pobres é uma grande ideia. Mas, não basta construir o maior museu do Brasil numa favela ou numa região pobre do Brasil. É preciso despertar nas comunidades o desejo do conhecimento, a curiosidade estética, a reflexão sobre o mundo, livre de panfletagens e receituários.
Conhecimento e arte são caminhos para a sabedoria.
Sabedoria que pode nos dar um gostinho de liberdade.