As eleições estão aí e eu já sei muito bem em quem votar! Vou votar naquela ambientalista, que representa o novo e defende a sustentabilidade. Aquela religiosa criacionista, que fechou com os ruralistas, que só querem “ver o oco” da Amazônia e com a bancada evangélica que busca a cura gay… mas será? Ruralistas e sustentabilidade? Novo e bancada evangélica? Devo mesmo acreditar que é pra acreditar nisso?
Bem, mudei de ideia, e daí, mudo mesmo. Vou votar na mulher que lutou contra a ditadura, pela democracia e pela liberdade de nosso país, reduziu a fome e a miséria e é líder nas intenções de voto, isso! Aquela que já está lá mesmo e que não teve medo de investir 26 bilhões de reais na copa do mundo que a gente tanto precisava, sendo 7 (me lembrei do 7 a 1), 7 bilhões com a construção ou reforma de nossos estádios, todos padrão FIFA, que está governando apoiada por uma base aliada no mínimo muito suspeita e que fez novas alianças, mais que suspeitas, a fim de ganhar uns minutinhos a mais no horário gratuito e tem a administração envolta em inúmeras denuncias de corrupção e… será? Será que não precisávamos de outras coisas antes de ter ampliada nossa manada de elefantes brancos?
Ah, sei lá, acho que então vou votar naquele rapaz mineirinho, neto de outro símbolo da luta contra a ditadura. Ele teve dois mandatos como governador ambos muito bem avaliados, reduziu o analfabetismo e a criminalidade em seu estado, construiu um belo aeroporto de 12 milhões, para beneficiar seus parentes, tem uma postura autoritária e opressora contra veículos de comunicação que porventura o questionem quanto ao uso de algum entorpecente ou critiquem seu governo e deixou seu estado na última posição em índice de desenvolvimento humano da região sudeste após 7 anos de governo e… caramba, será?
Todos se autopromovem como se fossem as soluções santas e inquestionáveis para o país e ao mesmo tempo agridem e rebaixam os adversários como se fossem anticristos.
Será que não existe um político perfeito? Será que é porque eles são humanos e humanos não são perfeitos? É, é triste, mas somos imperfeitos e por imperfeito entende-se desde o ingênuo, o ignorante, o tolo, até o mau caráter, o pedófilo e o assassino. Temos políticos representando todas as modalidades de nossas imperfeições. A diferença é que eles se protegem por detrás de uma cortina de imunidades e impunidades, de falta de transparência, de mídia manipulada e de um corporativismo insalubre e podre para a sociedade. A diferença é que uma canetada desses seres imperfeitos como nós, motivada sabe-se lá por quais interesses, muda o destino de milhões e da nação como um todo. Já as nossas imperfeições pessoais atingem, em regra, apenas o nosso círculo de relacionamentos.
Quem vê em um político um monstro não consegue enxergar o monstro que seu adversário pode representar e quem vê um único salvador da pátria só nota as abominações de seus rivais, porque vivemos a cultura da competição e da polarização, acreditando em vilões e heróis. São só imperfeitos cheios de poder, uns com mais qualidades, outros com menos escrúpulos, de modo que aquele que tem certeza sobre seu voto talvez esteja menos certo do que aquele que tem dúvidas.
Não há um herói que nos livrará de nossas dificuldades, porque nenhuma pessoa sozinha, aliás, político nenhum anda sozinho, pode lutar contra um sistema imposto, controlado e patrocinado por uma estrutura econômica baseada no acúmulo de bens materiais, independente de quem ou quantos sejam prejudicados por essa forma de “ser feliz”, tendo sempre mais do que o vizinho, mais do que se precisa e mais do que se possa usufruir.
Por outro lado, nenhum monstro colocará tudo a perder e nos fará voltar à idade das trevas. Não, nós não deixaremos! Amadurecemos e adquirimos noção da força que temos e de que somos os únicos capazes de ameaçar e transformar essa estrutura, ela sim errada, que nós mesmos criamos e que talvez tenha sido um passo necessário, mas já é tempo de darmos o próximo passo.
Há um ano houve uma série de protestos pelas ruas, que alguns classificaram como indignação popular e outros como manipulação de massas. Seja como for, quem ocupava confortavelmente as cadeiras do poder do mando e do desmando sentiu-se finalmente ameaçado e vulnerável. Seja como for, quem foi para as ruas o fez por vontade própria, não por uma obrigatoriedade legal. Seja como for, reivindicações foram atendidas, como a redução dos 20 centavos nas tarifas do transporte público e a não aprovação da PEC 37. Seja como for, manipular milhões é mais difícil do que manipular meia dúzia de políticos já acostumados ao conchavo e muitas vezes já afeitos à corrupção.
A insatisfação com os privilégios e altos salários dos políticos não é um fenômeno brasileiro, é uma percepção global de que a divisão dos recursos do planeta não está ocorrendo de forma sustentável ou justa e só quem percebe e é afetado por isso é quem tem vontade de lutar contra.
O voto é uma inegável conquista, se compararmos ao período da ditadura. É sim uma arma do povo. É o nosso canivetinho. Podemos usá-lo no sentido de cortar algumas das amarras que entravam nossa sociedade, como preconceitos e discriminações. Podemos usá-lo no sentido de afastar momentaneamente alguns predadores, mas não creio que ele seja um efetivo instrumento de mudança, porque, se para nós ele é um canivete, para o político, o voto é uma metralhadora, uma arma de destruição em massa e de fortalecimento de sua classe.
Lembro que conseguimos nossos canivetinhos no dia em que demos nossas mãos desarmadas e fomos às ruas lutar por nossa dignidade. Nesse tempo, o voto foi um severo golpe no poder instaurado, que cambaleou, afrouxou, cedeu um pouco, mas persiste. O voto, desde então, foi perdendo sua força e se adequando para atender aos interesses dessa economia destrutiva. Nossa dignidade, nossa liberdade, nossa força de trabalho e nossas mãos unidas são as maiores e mais perenes armas para se chegar a um mundo com menos armas. Um mundo em que os políticos sejam líderes respeitados pelos exemplos que nos derem. Que não dependam da demagogia nem da hipocrisia pra angariar seguidores. Que respeitem seus adversários e as opiniões diferentes das suas, que sempre existirão e que queiram realmente o melhor para a humanidade. Um mundo, ainda que imperfeito, em que saibamos que a felicidade de um não pode acarretar a fome ou o insucesso do outro. Até lá, vou votando, e pretendo fazer bom uso do meu canivetinho.