10656573_10203769760157239_126922732_nCia Cortejo é considerada uma revelação do teatro brasileiro

“Antes da Chuva”, que a Cia Cortejo está apresentando no Festival Internacional de Londrina (FILO), não tem cenário, conta com sonoplastia reduzida ao mínimo, iluminação marcando fortemente as cenas e dramaturgia inscrita no corpo dos atores Bruna Portella e Luan Vieira.

O texto de Rodrigo Portella – que divide a direção com Leo Marvet – é baseado em “Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez, e “O Leitor”, de Bernhard Schlink. A montagem traz ainda fragmentos de histórias pessoais, como a da atriz Bruna Portella cuja avó, uma índia peruana, fugiu de um marido violento numa pequena embarcação com seus quinze filhos. As histórias familiares de cada um do grupo pontuam o espetáculo: lembranças de casais separados, da tia que não sabia ler, da troca de cartas antigas.

Bruna interpreta Ana, mulher ribeirinha e analfabeta que tem prazer em ouvir Aramis, vivido por Luan Vieira, lendo trechos de livros que a fazem sonhar, como se ganhasse asas com as narrativas. Ana é mais velha que Aramis, a diferença de idade e de cultura – ele é um jovem poeta que chega ao povoado por acaso, durante uma tempestade – são combustíveis da história de amor embalada pelas águas do rio durante anos, até a separação do casal pelo casamento de Ana com um primo.

Segue-se aí a eterna busca de Aramis pela amada, como na história de Florentino Ariza e Fermina Paz, personagens de García Márquez. O enredo lírico, com bons momentos de humor, tem a interpretação magistral dos dois protagonistas. Trabalho de ator na acepção do conceito, cada olhar e cada gesto criam a dramaturgia. Neste trabalho nota-se a direção segura, as cenas marcadas com exatidão, a iluminação criando e apagando climas: de uma cena erótica a uma cena cotidiana, do riso ao drama, da poesia à irreverência. A luz perpassa e transforma contextos e ambientes, faz cortes emocionais, insere atores e espectadores na ação seguinte.

O que se vê em “Antes da Chuva” são atores com pleno domínio de sua arte, a bagagem interpretativa preenchendo o palco vazio, sem cenário, com a utilização de apenas dois objetos – um livro e uma caneca. O palco nu remete a experiências similares, linhas do teatro contemporâneo como a que o diretor inglês Peter Brook trouxe ao FILO em 2008, com o espetáculo “Fragments”, com texto de Samuel Beckett.

Sua proposta era substituir a pirotecnia de seus espetáculos anteriores pela nudez espacial que ressaltava o trabalho dos atores. Mas se o espetáculo do diretor britânico trazia atores comedidos, até mesmo frios em interpretações precisas, “Antes da Chuva” traz ao palco nu atores expansivos que criam personagens em detalhes, mas com um acento brasileiro, uma pitada amazônica que arrebata o público.

Personagens desdobrados – O espetáculo é uma longa narrativa em que os atores se revezam fazendo mais de um personagem. A solução criativa para tantos corpos e tantas vozes é realizada unicamente pela expressão, pela dramaturgia dos corpos, dos movimentos de mãos, pernas e cabeças, por caretas que eles usam como máscaras. Sobre isso, o diretor Rodrigo Portella disse numa entrevista rápida após o espetáculo: “Íamos usar máscaras para a transformação dos personagens, mas percebemos que as caretas dos próprios atores cumpririam a função e eliminamos as máscaras.”

É assim que Bruna Portella, em cena, passa do papel de Ana ao de uma prostituta fogosa ou a uma mulher com olhos de coruja. As transformações são convincentes e quase sempre divertidas. Os atores brincam no palco, mas a brincadeira gera uma construção teatral impecável. O espetáculo conta com pouca música, sonoplastia reduzida, opção do diretor que observa: “A música preenche demais as cenas, traz emoções que podem dispersar os espectadores trazendo outras lembranças, outras memórias.”

Com sonoplastia mínima – em que prevalecem barulhos de chuva, marcando acontecimentos importantes como a separação de Aramis e Ana – amplia-se a atenção do espectador que fica sem rotas de fuga durante o espetáculo, mais ligado às cenas, às narrativas, enfim, presente de corpo e alma. “Antes da Chuva” é a segunda montagem da Cia do Cortejo que estreou em 2011 com “Uma História Oficial”, indicada ao Prêmio Shell de Melhor Direção para Rodrigo Portella em 2013.

A companhia deixou o Rio de Janeiro, há cinco anos, para morar numa cidade do interior fluminense: Três Rios, onde dedica-se inteiramente ao teatro. Sua história lembra a das companhias tradicionais, de linhagem teatral, com dramaturgia que corre nas veias. O resultado dessa dedicação não poderia ser melhor. O grupo é uma revelação na cena brasileira contemporânea. Reconhecida em eventos e festivais por onde passa, contraria a ideia de que “nada acontece de novo no teatro nacional.” Acontece sim e quem ainda não viu não sabe o que está perdendo. (Célia Musilli/ Assessoria de Comunicação FILO)

Ficha técnica: Texto: Rodrigo Portella Direção: Rodrigo Portella e Leo Marvet Elenco: Bruna Portella e Luan Vieira Figurinos: Bruno Perlatto Trilha Sonora: Cia Cortejo Músicas Originais: Felipe Chernicharo Iluminação: Rodrigo Portella Preparação Vocal: Jane Celeste Guberfain Assistente de Figurino: Camila Domingues Produção: Trilhos Produções Artísticas Produção Executiva: Larissa Gonçalves Realização: Cia Cortejo

“Antes da chuva”, Cia Cortejo
Dias 31 de agosto, 1º e 2 de setembro
Horário: 21 horas
Local: Usina Cultural
Duração: 60 minutos
Teatro documentário – Drama 14 anos
Festival Internacional de Londrina – FILO 2014 – De 22 de agosto a 7 de setembro. Ingressos no Royal Plaza Shopping (Rua Mato Grosso, 310), em Londrina, e no sitewww.diskingressos.com.br. Preços: R$ (25,00 inteira) e R$ 12,50 (meia-entrada).
Realização: Associação dos Amigos da Educação e Cultura Norte do Paraná (Àmen) e Universidade Estadual de Londrina. Patrocínio: Petrobras, Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), Caixa Econômica Federal, Correios, John Deere/Horizon, Triunfo/Econorte e Unimed Londrina.
Apoio: Sesi, Royal Plaza, Bar Valentino, W2 digital, Itamaraty, Fundação Cultural de Ibiporã, M&M Brasil, Aliança Francesa e UEL FM. Informações: (43) 3324-9202 e 3322-1030. Bilheteria: 3024-2089