Nos anos 2000, o economista norte-americano Steven Levitt, pai de vários filhos e que conhece a dor de perder um filho, fez um estudo sobre economia e comportamento humano e notou uma incrível relação entre taxa de criminalidade e proibição do aborto.
Os estudos de Levitt demonstram de forma convincente que as taxas de criminalidade caíram após a aprovação de leis que descriminalizaram o aborto. O estudo se transformou no bestseller “Freakanomics”, um livro traduzido e publicado no Brasil em 2005 pela editora Elsevier. Levitt talvez tenha sido o primeiro a mostrar de forma mais consistente e clara essa relação no capítulo “Onde foram parar os criminosos?”
O autor, que escreveu o livro junto com o jornalista Stephen Dubner, desmonta todo o senso comum sobre criminalidade que você cansa de escutar em épocas de eleições e em programas policiais chulos da TV brasileira. Ele demonstra, por exemplo, que mais policiais na rua, penas mais duras para criminosos, pena de morte e até mesmo o controle do porte de arma pouco influenciam nos índices de criminalidade.
Mas, por outro lado, deixa evidente o quanto a decisão da Suprema Corte norte-americana influenciou na queda da criminalidade ao descriminalizar o aborto. O pesquisador demonstrou que a queda da criminalidade foi um efeito colateral da descriminalização do aborto.
Em um dos trechos, ele anota: “o efeito mais dramático da legalização do aborto – e que levaria anos para se fazer sentir – talvez tenha sido o seu impacto sobre a criminalidade. No início dos anos 90, precisamente quando a primeira leva de crianças nascidas após o caso Roe x Wade (descriminalização) chegava à adolescência – época em que os jovens do sexo masculino atingem seu auge criminoso -, o índice de criminalidade começou a cair. O que faltava nessa leva, é claro, eram as crianças mais propensas a se tornarem criminosas. A criminalidade continuou a cair à medida que uma geração inteira alcançou a maioridade, dela excluídas as crianças cujas mães não haviam querido pô-las no mundo. O aborto legalizado resultou num número menor de filhos indesejados; filhos indesejados levam a altos índices de criminalidade. A legalização do aborto, assim, levou a menos crimes”.
Agora, ao se verificar dois mapas do mundo do início deste texto, um sobre restrição do aborto e outro sobre taxa de homicídio, é possível verificar uma grande semelhança. Salvo algumas exceções, (e isso é importante tamanha a complexidade social), os mapas mostram que as regiões que têm leis restritivas sobre o aborto são regiões com o maior número de homicídios. É evidente que essa não é uma condicionante rasa e determinista, mas ela revela o subdesenvolvimento econômico e cultural das regiões. As áreas vermelhas dos dois mapas mostram o alto índice de restrição e de homicídio. Veja que há restrições ao aborto principalmente na África, América do Sul, América Central e região entre a Ásia e a Oceania. Nesses mesmas regiões, os índices de homicídios são os mais altos.
Um dos mapas é do do Centro de Direitos Reprodutivos (Center for Reproductive Rights), que produz o Mapa de Leis de Aborto do mundo a fim de comparar visualmente o status legal do aborto induzido em diferentes países — e advogar em prol da garantia do acesso aos serviços de aborto seguro e legal para todas as mulheres em todo o mundo.
Para o instituto, o estatuto legal do aborto é um importante indicador da capacidade da mulher para desfrutar de seus direitos reprodutivos. Restrições legais ao aborto causam, muitas vezes, altos níveis de prática ilegal e insegura, com correlação comprovada entre a mortalidade materna e os abortos clandestinos. O mapa das taxas dos homicídios é feito com base no relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
Veja outros trechos do livro de Levitt:
Qual era o perfil feminino mais provável de se beneficiar da decisão da Suprema Corte ao descriminalizar a mulher e o aborto? “Em geral, a mulher solteira, de menos de 20 anos e pobre, e, algumas vezes, com as três características. Que tipo de futuro o bebê dessa mulher teria? Um estudo demonstrou que a típica criança impedida de nascer nos primeiros anos da legalização do aborto estaria 50% mais propensa que a média a viver na pobreza; teria, igualmente, uma probabilidade 60% maior de ser criada por apenas um dos genitores. Esses dois fatores – uma infância pobre e um lar de mãe/pai solteiro – estão entre os mais fortes fatores determinantes de um futuro criminoso. Crescer num lar de genitor solteiro praticamente dobra a propensão de uma criança para o crime. O mesmo ocorre com os filhos de mães adolescentes. Um outro estudo mostrou que a baixa instrução materna é o fator isolado de mais peso para conduzir à criminalidade”
Como, então, saber se o vínculo aborto-crime tem nexo causal ou se aqui se trata tão-somente de uma correlação?
Uma forma de testar o efeito do aborto sobre a criminalidade seria examinar os dados da criminalidade nos cinco estados que legalizaram o aborto antes que a Suprema Corte estendesse esse direito ao restante do país. Em Nova York, na Califórnia, em Washington, no Alasca e no Havaí, a uma mulher já era permitido recorrer ao aborto no mínimo dois anos antes do caso Roe x Wade, e realmente esses estados precursores da legalização viram a criminalidade baixar antes dos outros 45 estados e do Distrito de Columbia. Entre 1988 e 1997, os crimes violentos nos estados que primeiro legalizaram o aborto caíram 13 % se comparados aos demais; entre 1994 e 1997, seus índices de homicídio caíram 23% mais do que os dos outros estados.
E se tudo isso não tiver senão sido uma coincidência? O que mais deve ser investigado nos dados para estabelecer o vínculo aborto-criminalidade?
Um fator a buscar seria uma correlação entre o índice de abortos e o da criminalidade em cada um deles. Na verdade, os estados com os mais altos índices de aborto nos anos 70 apresentaram as maiores quedas na criminalidade nos anos 90, enquanto os estados com baixos índices de aborto mostraram uma queda menor na criminalidade (esta correlação existe até mesmo quando descontada uma variedade de fatores que influem na criminalidade: o nível de prisões efetuadas, o número de policiais e a situação econômica). Desde 1985 os estados com altos índices de abortos tiveram uma queda aproximadamente 30% maior do que a dos estados com índices baixos de aborto (a cidade de Nova York apresentava um índice alto de abortos e fazia parte de um estado precursor da legalização, uma dupla de fatores que comprometem ainda mais a afirmação de que o policiamento inovador motivou a queda da criminalidade). Além disso, não havia ligação entre o índice de abortos e os índices de criminalidade estado a estado antes do final da década de 1980 – quando o primeiro grupo afetado pelo aborto legalizado alcançou seu pico criminoso -, o que é mais uma indicação de que o casto Roe x Wade foi o acontecimento que efetivamente desequilibrou a balança da criminalidade.”
A Suprema Corte verbalizou o que as mães na Romênia e na Escandinávia – bem como em outros lugares – há muito sabiam: quando uma mulher não deseja um filho, em geral há bons motivos para isso. Ela pode ser solteira ou ter um mau casamento, bem como se considerar pobre demais para criar um filho. Pode achar que sua vida é instável ou infeliz demais ou, ainda, que o álcool ou as drogas que consome são capazes de prejudicar a saúde do bebê. Talvez se considere demasiado jovem ou pouco instruída. É possível até que queira muito ter filhos, mas não neste momento. Alguma razão, em um leque delas, a faz crer que é incapaz de oferecer um lar apropriado à criação de uma criança saudável e produtiva.
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