Nunca antes na história deste país um período eleitoral me interessou tão pouco.
As eleições de 2014 parecem transcorrer de forma mais tranquila do que aconteceu em 2010, ao menos nos assuntos abordados pelos presidenciáveis. A intrigante polarização entre Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB), que até agora se mantém, poderá tornar realidade um evento inédito até hoje no país: a realização de um segundo turno entre duas mulheres. A duas semanas do dia 5 de outubro, quando será realizada a primeira rodada de votações, é natural que haja troca diária de acusações entre os candidatos, mas diferentemente do que aconteceu na última campanha para a presidência, desta vez não há ninguém frequentando diariamente templos religiosos ultra-conservadores e chamando o adversário de “abortista”, pautando na interrupção da gravidez a corrida presidencial em um país das dimensões do Brasil.
Não se pode dizer, entretanto, que melhoramos nesse sentido; de propostas realmente concretas os candidatos têm pouco a apresentar. Após junho de 2013, quando aquelas manifestações arrasadoras tomaram conta do país, a população ficou – ainda mais – desencantada com a classe política. A presidente Dilma e o PT propõem uma reforma política, para a qual um plebiscito popular foi feito há algumas semanas pela internet e conseguiu mais de um milhão de votos, segundo seus organizadores, o que representa um número expressivo. Não há ainda uma base sólida para o que significaria essa reforma do sistema político do Brasil, que demonstra, há tempos, sinais de exaustão – talvez a proposta seja justamente transformar a política com a participação da sociedade civil, atendendo a seus interesses. Os mesmos que foram às ruas no ano passado, porém, não parecem ter a necessária consciência para exigir que os nossos parlamentares levem o processo adiante. A um espectador estrangeiro, parece no mínimo surpreendente imaginar que o Congresso Nacional não passará por uma grande renovação, após a revolta popular que tomou conta do Brasil. O fenômeno está justamente no fato de que, segundo as pesquisas de intenção de voto, nossos parlamentares mais “tradicionais”, por assim dizer, caminham para ser reeleitos, e caso isso se concretize, cabe aos sociólogos estudar novamente o que aconteceu no país após junho de 2013. Teriam sido somente manifestações pontuais? As pessoas, mesmo tendo ido à rua, não percebem que a “mudança” que pretendem passa justamente pela renovação do sistema político que abominam? Ou a intenção, no final das contas, teria sido apenas poder se juntar à turba para poder postar aquela selfie sensacional no Facebook, alvo de dezenas, talvez centenas de curtidas? Essa última opção me parece bem viável.
A minha visão como cidadão, e reconheço que ainda tenho muito a amadurecer nesse sentido, é de que bons políticos defendem os direitos humanos, em todos os sentidos mais amplos dessa junção de palavras. Se você acha que “direitos humanos” é uma “instituição” – tem quem acredite nisso – feita para defender bandido, por favor pare de ler por aqui. Enfim, numa sociedade conservadora como a brasileira, uma pessoa que se dispõe a lançar uma candidatura e a defender mudanças profundas nesse quesito merece um segundo olhar meu, porque o estado de bem estar social que almejamos jamais será alcançado somente pelo boom do consumo, como parecia-se acreditar há uns três anos. Precisamos alcançar esse status melhorando a estrutura do país como um todo, mas também defendendo nossas minorias oprimidas, e os meus candidatos serão escolhidos a começar por essa defesa. Aqueles que defendem, entretanto, pontos como a redução da maioridade penal e a “pena de morte” – que nunca vai acontecer no país, já que o direito à vida é cláusula pétrea da Constituição de 1988 e quem defende isso ou está fazendo demagogia ou precisa estudar um bocado – perde automaticamente um possível voto meu. Certamente um voto, que é o que eu represento, vale pouco para um candidato desses, mas é o único que eu tenho e para mim, vale ouro. Faço questão, pois, de usá-lo bem.
Simpatizo com ideais de candidatos progressistas, que defendam mudanças profundas no sistema político e social do país, que acreditam, como eu, que a pobreza e a violência têm razões sociais para existir – não apenas sociais, mas principalmente –, e que a tal da reforma política só vai acontecer com participação intensa da população. Acho que o Brasil não tem nada de inferior com relação a países mais avançados e socialmente desenvolvidos, mas é necessário frisar que, enquanto continuarmos a eleger as mesmas pessoas sem tomar qualquer critério, será difícil conquistar alterações significativas. É impossível negar os avanços dos últimos tempos, ocorridos durante os doze anos nos quais o PT esteve à frente da administração do país, mas mesmo este modelo precisa ser repensado, e a presidente Dilma, na hipótese de ser reeleita, parece saber disso.
Seus princípios e seu modo de pensar podem ser muito diferentes dos meus, e isso é desejável numa sociedade democrática, desde que todos possamos conviver de maneira pacífica e respeitosa. Escolha seus candidatos, caso ainda não tenha feito isso, de acordo com os seus critérios e a sua forma de ver a sociedade e a coisa pública. Clame pela pessoa pública que respeite a liberdade dos outros, por aquele político que sabe valorizar as diferenças, que não pense com a cabeça do século XIX. E ainda que você escolha um político que tenha todos esses valores antiquados, que a meu ver deveriam ter ficado restritos a outros tempos, o faça com o necessário critério. Certifique-se de que essa pessoa irá de fato representar os seus interesses e os do grupo social ao qual você pertence. Assim você poderá dizer que usou o seu voto como o instrumento político mais poderoso de que dispõe o cidadão, e escolheu seu candidato como uma pessoa consciente de seus deveres.
Faltam duas semanas para as eleições. Há tempo mais que suficiente para formar uma base e escolher todos os cinco homens e mulheres nos quais votaremos neste ano. Faça-o de modo que, no futuro, você possa se orgulhar de suas escolhas, quando o nosso país for um pouco mais justo e igualitário, e a pessoa que você escolheu hoje tenha contribuído para isso amanhã.