Neste domingo, dia 30, é Dia Nacional da Conscientização da Esclerose Múltipla, uma doença que atinge o cérebro e a medula espinhal. A pessoa com Esclerose Múltipla pode enfrentar dificuldades para falar, enxergar, caminhar entre outros problemas promovidos pela doença.
Esses sintomas dependerão de qual parte do sistema nervoso central a doença se manifestou e o quanto foi danificado. Isso faz com que cada paciente tenha reações e sintomas distintos.
Os tratamentos podem evitar o avanço da doença e melhorar a condição de vida do paciente. De acordo com Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla), 35 mil brasileiros possuem essa doença que não tem cura, mas não é fatal.
O Neurologista Mauro Augusto de Oliveira fala sobre diversos aspectos da Esclerose Múltipla (EM) para o Carta Campinas. Ele relata nessa entrevista como ocorre a doença, seus sintomas, tratamentos entre outras informações importantes como a necessidade de os familiares manterem o paciente motivado a se tratar. Outro aspecto importante é que a expectativa de vida do paciente é semelhante ao de uma pessoa sem a doença e, muitas vezes, é possível ter uma vida normal.
Carta Campinas: O que é Esclerose Múltipla?
Mauro Augusto de Oliveira: Esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante inflamatória crônica, utoimune, confinada ao sistema nervoso central (SNC). Em outras palavras, os neurônios perdem progressivamente a bainha de mielina que os recobre. Isso não ocorre de maneira homogênea, mas em focos, e o processo inflamatório atrapalha a transmissão do impulso nervoso. Com a destruição da mielina, a transmissão das mensagens é retardada ou bloqueada. Desta maneira, várias funções do corpo chegam a ser incontroláveis; assim há mensagens que não chegam de forma compreensível ou as mensagens chegam à área incorreta levando ao aparecimento dos sintomas sensitivos e motores ou estes se tornarem mais evidentes. Os sintomas apresentam tendência a remissão e a exacerbação. O dano produzido à célula pode ser irreparável e deixar sequelas definitivas, se a doença não for tratada de maneira precoce. Por que esclerose? Porque como resultado da doença forma-se um tecido endurecido parecido a uma cicatriz em certas áreas do cérebro e da medula espinhal. Por que múltipla? Porque várias áreas do cérebro e da medula espinhal estão afetadas. Devemos chamar a atenção para que a EM não é uma doença mental, não é contagiosa, não é hereditária e não é fatal.
CC: O que leva o surgimento da Esclerose Múltipla?
Mauro Augusto de Oliveira: Etiologia da doença é desconhecida. É possível que seja uma doença autoimune decorrente da interação de um ou mais fatores ambientais. A ciência se baseia em três teorias: (1) Causa viral: quando os vírus entram no organismo multiplicam-se rapidamente dentro das células do corpo e maioria deles causa sintomas rapidamente. Porém certos VÍRUS denominados LENTOS reaparecem mais tarde causando novos sintomas. Outros VÍRUS LENTOS alojam-se dentro do corpo durante meses ou anos antes de provocar a doença. É possível que a EM seja causada por alguns vírus lentos. Admite-se também a possibilidade que seja uma ação retardada a um vírus comum. (2) Reação autoimune: nosso corpo tem um SISTEMA DE DEFESA que destrói “invasores” tais como vírus e bactérias. Este sistema de defesa pode começar a atacar às células do próprio corpo, este fenômeno é chamado de RESPOSTA AUTOIMUNE. É provável que a EM seja causada por uma resposta autoimune em que o corpo se “engana” e ataca seus próprios tecidos, no caso da EM as células atacadas são as da bainha de mielina. (3) Combinação de fatores: é possível que a EM seja causada por um vírus e por uma resposta autoimune. Quando os VÍRUS invadem o organismo, penetram nas células do corpo e as infectam. É possível que o sistema de defesa chegue a confundir-se quando alguns vírus ocupam parte das células tornando-as diferentes e os vírus e as células que lhe servem de hospedeiros sejam atacadas.
CC: Quais são os sintomas ou sinais dessa doença?
Mauro Augusto de Oliveira: Fraqueza em excesso ou cansaço anormal. Problemas na fala tais como: fala arrastada e lenta. Problemas na visão tais como: visão dupla e perda de visão de uma vista. Dormência ou sensação de formigamento. Tremor nas mãos. Paralisia parcial ou total de uma parte do corpo. Arrastar os pés ao caminhar. Perda de coordenação dos movimentos. Movimentos descontrolados dos membros inferiores, podendo apresentar desequilíbrio. Perda de controle da bexiga e do intestino. Os sintomas da EM usualmente aparecem e desaparecem sem aviso. Isto distingue a EM de outras doenças do sistema nervoso central – padrão vai e vem.
CC: Porque a demora em diagnosticar a doença? Como é feito o diagnóstico?
Mauro Augusto de Oliveira: Frequentemente passam alguns anos desde os primeiros sintomas até o diagnóstico ser definitivo, porque os sintomas iniciais são na maioria das vezes tão leves que não incentivam a pessoa a não consultar o médico. Além disso, outras doenças do sistema nervoso apresentam alguns dos sintomas apresentados pela EM. Não há prova laboratorial isolada que comprove o diagnóstico e não é possível saber quem pode manifestar a EM. A partir da suspeita clínica a partir de dados de história clínica e exame neurológico deve se solicitar exames de sangue de rotina para exclusão de outras doenças. Pesquisa de bandas oligoclonais no líquor, potencial evocado visual e ressonância do encéfalo e medular confirmam o diagnóstico de EM. A ressonância magnética se tornou uma ferramenta indispensável para avaliar a extensão e definir estratégias de tratamento. Contribuindo para avaliar a evolução da doença mesmo que o paciente esteja clinicamente estável a ressonância pode mostrar que a desmielinização está progredindo. Evidenciando a característica principal da doença: lesões múltiplas no espaço, as lesões ocorrem em múltiplos locais do sistema nervoso central, e no tempo (momentos distintos).
CC: Qual faixa etária é mais comum ocorrer à Esclerose Múltipla? Tem diferença entre o sexo masculino ou feminino?
Mauro Augusto de Oliveira: Os sintomas geralmente são mais evidentes entre os 20 e os 40 anos de idade. A EM ocorre poucas vezes em pessoas com menos de 15 e com mais de 50 anos de idade. É a doença do sistema nervoso central mais comum entre adultos jovens. As mulheres desenvolvem a EM com mais frequência que os homens. Não existe uma relação entre a EM e a gravidez. Como a doença atinge preferencialmente mulheres em idade fértil, a gravidez deve ser vista com cuidado e deve ser planejada sobe a orientação do neurologista, pois os medicamentos devem ser suspensos durante a gravidez. Os surtos diminuem durante a gravidez, mas após esta a probabilidade de crises aumenta em até 50%, o que leva a interrupção da amamentação devido à reintrodução da medicação.
CC: Por que a Esclerose Múltipla não tem cura?
Mauro Augusto de Oliveira: Quando falamos que a EM é uma doença neurodegenerativa vem logo a mente das pessoas doenças como Alzheimer e Parkinson que acomete pacientes idosos, mas a EM acomete pessoas de 20 a 40 anos. A doença é crônica o que também nos remete a hipertensão arterial, diabetes, disfunção tiroidiana, afecções reumáticas, e todas elas tem tratamento mas ainda não tem cura. Porém hoje existem drogas que proporcionam redução do avanço dos sintomas na maioria dos pacientes, e sua a resposta é melhor quando o diagnóstico é precoce o que continua a ser um grande desafio. Se tratada desde o início, a chance do distúrbio evoluir para um quadro degenerativo é mínimo. Mesmo com esquemas terapêuticos modernos, o doente não ficará livre da doença. Lembre-se esta doença não é um problema de difícil conhecimento, sem recursos de controle. Ter EM não significa ser ou algum dia se tornar deficiente, assim não merece uma atitude contemplativa ou “deixar para lá”, as pessoas não devem desistir, pois há certeza de que uso de um tratamento moderno e eficiente promove um bem estar, melhora a perspectiva e qualidade de vida mais tranquila para esses pacientes.
CC: Como é o tratamento dessa doença?
Mauro Augusto de Oliveira: Deve ser baseado nas formas e a maioria dos pacientes (85%) apresenta-se inicialmente com a forma recorente-remitente, caracterizada por períodos de manifestação dos sintomas neurológicos (surtos) com recuperação plena ou com déficit residuais. Ao longo de aproximadamente 10 anos, 50% dos pacientes com a forma recorrente-remitente passam a apresentar o componente progressivo da doença, fase que convencionou chamar de progressiva secundária. Cerca de 10% dos pacientes com EM apresentam a forma progressiva primária, que evolui, desde de sua instalação com períodos de agravamento sem remissão. Um pequeno grupo de pacientes com EM evolui desde o inicio com episódios agudos (surtos), associados a progressão como na forma progressiva secundária. Uma vez confirmado o diagnóstico da forma recorrente-remitente, o tratamento tem dois objetivos: abreviar o período dos surtos e tentar aumentar o intervalo entre os surtos e, com isso, uma piora da doença. No tratamento dos surtos os corticosteróides são úteis para reduzir o período de duração dos surtos. No segundo, as drogas imunomoduladoras, que tem a função de diminuir a chance do sistema de defesa voltar a agredir a substância branca (mielina) do sistema nervoso central. Todas drogas as imunomoduladoras são injetáveis. A escolha da medicação mais adequada depende da avaliação do neurologista e é feita baseada na clínica de cada paciente. Outra opção são as drogas imunossupressoras utilizadas em casos particulares principalmente nas formas primariamente progressivas ou secundariamente progressivas da doença que raramente se beneficiam com as drogas imunomoduladoras. Nos últimos cinco anos, dois novos medicamentos foram autorizados pela Anvisa. Um imunossupressor de administração via oral, que reduz o impacto da enfermidade sobre o sistema nervoso central e previne a atrofia cerebral. Esta nova medicação de poder desencadear alterações nos batimentos cardíacos por isso a primeira dose deve ser tomada em ambiente hospitalar com acompanhamento de um cardiologista. Se o paciente apresentar arritmia ou diminuição dos batimentos o tratamento deverá ser suspenso. Outro de uma nova categoria de droga conhecida como anticorpo monoclonal de administração intravenosa, ação mais lente e de uso prolongado (indicado para formas graves de EM), porém seu ainda é restrito devido aos efeitos colaterais. Ambos indicados para paciente que não respondem bem aos remédios tradicionais. Ainda pode ser introduzido tratamento sintomático voltado a diminuir a fadiga, a espasticidade, dores, alterações urinárias, libido e do humor. Seja qual for o tratamento, deve ter efeito por um longo período de tempo. Na maioria dos casos, este deve ser continuado por um período superior a 5 anos.
CC: Essa doença afeta no ciclo de vida do paciente?
Mauro Augusto de Oliveira: A EM não reduz drasticamente a expectativa de vida. Logo após o diagnóstico ou nas fases iniciais de evolução da doença, nas formas recorrente-remitente, a qualidade de vida está comprometida devido a incerteza e a ameaça de perdas mais do que com as próprias perdas. Em muitas doenças crônicas incapacitantes que apresentam ausência da cura a sobrevida não é curta e a qualidade de vida está relacionada ao que o paciente espera do tratamento e prognóstico. Torna-se difícil fazer o paciente portador de EM entender que a melhora esperada, em seu caso, não objetiva o retorno de uma função que havia perdido, mas sim em relação às suas reais dificuldades, sobre eventos que poderiam colocar em risco a sua vida e, principalmente, os benefícios que teria seguindo as orientações em relação ao tratamento e isso melhora a qualidade de vida. A partir do momento que o paciente passa a entender as mudanças causadas pela doença no seu estilo de vida a ansiedade diminui, facilitando aquilo que é importante a ser exercitado para melhorar a qualidade de vida. A expectativa de vida de pessoas com EM é quase a mesma da população normal e em muitos casos é possível um vida normal.
CC: Como os familiares devem proceder, para minimizar o sofrimento dos portadores dessa doença, proporcionando uma vida melhor para o paciente?
Mauro Augusto de Oliveira: Os familiares devem manter o paciente motivado a se tratar. Ajudar o paciente a planejar sua vida de modo a estabelecer uma escala de prioridades no trabalho, para que festas e ocasiões sociais sejam repartidas. Os pacientes com EM devem manter-se ativos, fazer uma dieta equilibrada evitando refeições pesadas e descasar o suficiente para se sentirem bem e manterem a forma física e psíquica. Devem ser evitados banhos quentes e temperaturas muito elevadas, exercícios físicos excessivos, porém um programa de reabilitação física mantém o sistema musculoesquelético em ótimas condições. Nesse caso a fisioterapia tem por objetivo manter e melhorar a sua condição física através de uma atividade física controlada, para conseguir o máximo de independência fundamental. Devem fornecer um suporte psicológico já que os períodos e remissão com incerteza sobre a duração e melhoria, podem tornar essencialmente difícil o adaptar-se a essa doença. Participar de grupo onde possa trocar experiência como no Grupo Esclerose Múltipla de Campinas e Região (Gemc) que oferece apoio e atividades gratuitas a pacientes, o grupo fornece orientação por meio de palestras de médicos convidados e promove troca de informações com as pessoas que convivem com a EM. O paciente pode encontrar ajuda junto a ABEM (Associação Brasileira de Eclerose Multipla), AMESP (Associação Paulista de Esclerose Múltipla), MULTIPLEM (Grupo de Abordagem Multidisciplinar da Terapia da Esclerose Múltipla), CATEM ( Centro de Atendimento e Tratamento da Esclerose Múltipla) e BCTRIMS (Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa de Esclerose Múltipla). (Por Eliane Honorato para Rede Carta Campinas)