Sentia, desde a manhã, aquele peso inexplicável, que com o passar das horas ia se concentrando no estômago. Não achava ânimo para prosseguir, tinha medo de seus passos e nenhuma esperança de se ser novamente sem o peso.
O pensamento também estava preso ao peso e tinha receios de voar livre como dantes.
O dia e tudo nele se tornara cinza, pesado e abafado, como que preparando uma chuva que não caísse nunca. Havia uma iminente transformação que também nunca que chegava.
O papel branco à sua frente não tinha porque, mas ele se sentia melhor olhando pro papel. Caiu a primeira gota de chuva e ele achou bom, mas não se alegrou. Deixou cair uma letra no papel e se sentiu um pouco menos mal.
Um chuvisco fresco renovou esperanças e as letras passaram a pingar, como goteira preguiçosa, manchando a superfície branca de palavras desconexas.
Veio a chuva, se fez uma enxurrada fraca e já se via um rumo natural orientando o caminho dos pingos. As palavras desconexas eram muitas e ele olhava pro papel notando um certo sentido oculto no caos.
Uma palavra olhou pra ele e soprou bem de leve, ao pé do seu ouvido. Ele sentiu que na leveza daquele sopro, parte do seu peso ia se libertando dele, como o vapor se liberta da chaleira.
O peso que ele tanto padecia por carregar, agora saía pela sua cabeça, flutuando maneiro e deixando seu pensamento pensar outra vez. Mais leve que o ar, o vapor se esforçava, puxando por uma corda pesada e trançada de letras, outro peso que ele não notara, mas habitava seu coração.
A chuva, agora torrencial, dava vida a tudo e o frágil peso fugido da cabeça, conseguiu arrancar, num tranco, o peso bruto e cruel do coração e ambos se tornaram um, fora do seu corpo.
Traziam consigo uma corrente colossal, composta por elos de palavras duras e tentavam extrair de dentro dele algo que não eram capazes de carregar.
Ele se sentiu o campo de batalha onde forças desiguais se enfrentavam, mas o céu despejou granizo sobre a terra e as palavras bateram maciça e vigorosamente sobre o papel, impregnando de sentimentos.
A corrente colossal ganhou braços fortes, puxou e arrancou pelas raízes aquela coisa, a mais pesada de todas, que ocupava o seu estômago e que passou pela garganta como um grito parido. Os pesos se juntaram e partiram dele como uma frugal nuvem branca.
A água lavou a terra, o céu ficou azul e o dia ensolarado. As palavras se amaram sobre o papel, para que quem visse sentido no amor pudesse ler depois. Ele se alegrou e dançou no chão molhado, de tanta leveza que há no mundo. (Luís Fernando Praga)
Ah, que beleza, o dom da comunicação! Pesos, muros, barreiras… tudo cai quando se transforma em frases, desabafos, lirismo, interação com o Universo! Parabéns filosóficos…