Nunca se prendeu tanto no Brasil e nunca a população se sentiu tão ameaçada pela criminalidade. Uma pesquisa inédita do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) detalha a população carcerária brasileira. A partir de dados coletados com juízes de 26 estados e do Distrito Federal, o CNJ chegou a um total de 715.655 presos no país. Os dados anteriores ao estudo apontavam que pouco mais de 574 mil pessoas estavam atrás das grades. A diferença – quase 148 mil – é formada por aqueles que cumprem pena de privação de liberdade em prisão domiciliar.
Ao mesmo tempo em que se prende muito, os índices de criminalidade só aumentam. É uma conta que não fecha, porque numa ponta se aumentam as penas e se prende mais, mas na outra se aumenta a desigualdade e as condições necessárias para levar jovens à criminalidade. Apesar de setores conservadores da sociedade pedirem a cada dia penas mais duras, essa atitude como se vê, não resolve o problema da violência. É o que demonstram esses dados.
Essa população não era contada em análises anteriores, de acordo com o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF-CNJ), conselheiro Guilherme Calmon. Ele explicou que, segundo a Lei de Execução Penal, mesmo os condenados a cumprir penas no regime aberto ou pena de limitação de fim de semana deveriam estar em espaços adequados para isso, como casas de albergados. Mas, “em razão da ausência de vagas, é que os juízes acabaram por admitir a prisão domiciliar”.
Tendo em vista os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) relativos a junho de 2013, último balanço divulgado pelo órgão do Ministério da Justiça, havia no país 574.027 presos, o que significava um déficit de 256 mil vagas no sistema. Agora, ao se considerar também a prisão domiciliar como resultado de carência, o número de vagas faltantes sobe para 358.373.
Se a população carcerária aumentou, o número de presos provisórios diminuiu, segundo o CNJ. O órgão aponta que eles são 32% do total. Para Calmon, coordenador da pesquisa, isso mostra que “o juiz está fazendo a parte dele e julgando os processos em tempo razoável”. No entanto, segundo ele, “o problema é maior que o que tínhamos pensado antes”, e “o que fazer depende dos estados, a quem cabe construir presídios para comportar essa população”.
Com a pesquisa, o Brasil chega à proporção de 358 pessoas presas para cada 100 mil habitantes. O total de mais de 715 mil presos faz com que o país suba de quarto para terceiro lugar no ranking de população carcerária do mundo. Perde apenas para Estados Unidos (2,2 milhões de presos) e China (1,7 milhão). O quarto lugar é ocupado pela Rússia (676 mil), segundo dados do Centro Internacional de Estudos Penitenciários (ICPS, na sigla em inglês) da Universidade de Essex, no Reino Unido.
O estudo Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil também revela que existem 373.991 mandados de prisão abertos. Se eles fossem cumpridos, o número de presos poderia chegar a 1.089.646 e o déficit de vagas a 732.427. A situação “mostra como nós temos uma racionalidade punitiva muito grande”, segundo a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, há hoje uma governança da população pelo crime e pela punição.
Ela Wiecko disse que, assim como os que cumprem pena em domicílio estão presos porque estão sob o controle do Estado, há também aqueles que cumprem penas restritivas, sobre os quais não há um dado atualizado. “Somando tudo você vai ter mais de 1 milhão e 500 mil pessoas sob controle penal”, disse, destacando que “a sociedade brasileira e o Estado brasileiro têm que colocar um limite do que pode gastar com esse tipo de resposta [a prisão]”, bem como repensar a forma de lidar com os conflitos. “A resposta de que é crime, tem que processar criminalmente, é muito fácil de dar, mas a gente está vendo o que acontece. E as cadeias não podem ser depósito de pessoas”.
Até a semana que vem, o CNJ pretende entregar o relatório completo da pesquisa aos grupos de monitoramento e fiscalização carcerária dos tribunais de Justiça estaduais, assim como para as secretarias responsáveis pela área penitenciária e para o Depen. A expectativa é que o estudo embase a elaboração de novas políticas públicas. (Agência Brasil/Carta Campinas)