A falta de investimento no sistema Cantareira nas últimas décadas por pouco não colocou em colapso o abastecimento de água na região de Campinas e na grande São Paulo. Apesar do alívio com as últimas chuvas, sistema pode demorar anos para se recuperar se não houver nova estiagem.

Alerta sobre sistema Cantareira começaram em 2003
Alerta sobre sistema Cantareira começaram em 2003

Mesmo alertado em vários momentos, desde 2003, o governo do Estado nada fez. O atual governador, Geraldo Alckmin(PSDB) esteve praticamente todo este tempo no governo de São Paulo, eleito pela última vez em 2010-2014, o governador esteve no Palácio do Bandeirantes como vice-governador de 1995 a 2001 e como governador de 2002 a 2006.
Mesmo estando tanto tempo no poder nas últimas décadas e ter recebido alertas de pesquisadores, o governador Alckmin e a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo), subordinada ao governo, não investiram para evitar a falta d’água no sistema Cantareira.

Desde 2009 o reservatório Cantareira, composto por quatro represas, atua no limite. O armazenamento máximo é de 990 milhões de metros cúbicos de água, mas trabalha com uma média entre 65% e 70% disso. O sistema é capaz de tratar e remeter até 33 mil litros por segundo.

O relatório final do Plano da Bacia do Alto Tietê, de dezembro de 2009, elaborado pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), já apontava a “necessidade de contar com regras operativas que evitem o colapso de abastecimento das regiões envolvidas e minimizem a influência política nas decisões”, porque o sistema tem “altas garantias de atendimento (de água), porém com déficits de grande magnitude”, o que indica que a possibilidade de queda do nível da represa era conhecida.

O mesmo relatório aponta o fato de o reservatório estar no seu limite. Isso há quatro anos. “Outra análise importante em relação ao Sistema Cantareira é que este já se encontra no seu limite de exportação. (…) Desta forma, outras medidas devem ser elaboradas para atender ao acréscimo de demanda na RMSP, como a transposição de água de outras bacias mais distantes.”

Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água e professor de Engenharia Civil e Ambiental da Escola Politécnica (Poli) da USP, Benedito Braga, o problema é mais antigo e o relatório de 2009 seria uma reafirmação de questões colocadas há ao menos dez anos. “A USP trabalhou para o Comitê do Alto Tietê em um plano de recursos hídricos nos idos de 2003 e lá já se falava das obras que era preciso realizar para ter segurança hídrica na região metropolitana de São Paulo. E o que é que foi feito?”

Para Braga, a demanda por água não está sendo afetada simplesmente pelo baixo índice de chuva, embora este seja um componente importante. O problema é a falta de planejamento e realizações em determinadas áreas. “A infraestrutura não acompanhou o crescimento da demanda. Não só pelo crescimento demográfico, mas também pela melhoria do padrão de vida da população, que agora usa mais água, mais energia, gera mais resíduo sólido.”

Uma parcela dessa dificuldade em se adequar à demanda pode ter relação com o buraco nos investimentos da companhia no ano de 1999. A Sabesp vinha em um crescente nos anos 1990, atingindo um pico R$ 1,18 bilhão em 1998. No ano seguinte, o valor foi menos da metade disso: R$ 457 milhões. O mesmo patamar só foi retomado – e superado – em 2008, quando ela investiu R$ 1,85 bilhão. Desde então vem subindo e deve chegar a R$ 2,62 bilhões neste ano.

Fato é que a recomposição do reservatório Cantareira pode não ser tão simples quanto faz crer a propagando oficial. “O governo está tendo uma atitude muito otimista, de que a partir do dia 15 vai começar a chover e estará tudo resolvido. Não é verdade. Mesmo que chova, a situação é tão grave que não vai encher o reservatório”, alerta Benedito Braga.

Como exemplo do tempo que os reservatórios levam para se recuperar após um evento grave de desabastecimento, basta observar as consequências da estiagem que teve início em 1951 e que é considerada, até hoje, a mais grave pela qual as regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas já passaram. Durante a produção do Plano Diretor de Recursos Hídricos do estado, aquele evento foi utilizado pela Sabesp para projetar os efeitos de uma seca grave hoje em dia.

No momento mais crítico de uma seca com a mesma intensidade da década de 1950, a macrorregião São Paulo-Campinas teria capacidade para atender a apenas 56% da demanda. O município de São Paulo ficaria em situação ainda mais grave, com capacidade para atender a apenas 40% da população, e Campinas entraria em situação de emergência, com acesso a água suficiente para apenas 10% dos moradores. Nesses casos, de acordo com as projeções, os reservatórios levam de três a cinco anos para começar a se reestabelecer.

O mais recente ingresso de um braço de água para o sistema de abastecimento da Sabesp foi realizado em 1993, ainda na gestão de Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) no governo paulista. Desde então a população do estado cresceu em pelo menos 10 milhões de habitantes. A próxima inauguração prevista é a obra do Sistema Produtor São Lourenço, no Vale do Ribeira, que está na fase de instalação dos canteiros. O novo sistema tinha previsão inicial de inauguração em 2016, mas o governo estadual afirma que só deverá ficar pronto em 2018.

Em São Paulo, a Sabesp admite perdas de aproximadamente 25% do volume de água que circula nos canos. No entanto, segundo o relatório de 2013 do Plano Diretor da Macrometrópole, elaborado pelo Departamento de Água, Esgoto e Eletricidade (DAEE), a Região Metropolitana de São Paulo perde 38% da água que deveria abastecer as cidades.

O mesmo plano projeta que até 2035 a Sabesp deve atuar com um parâmetro de perdas entre 20% e 30%. Ou seja, em 20 anos não há uma perspectiva de redução significativa nas perdas de água. “Nesse Plano Diretor da Macrometrópole, não foram consideradas reduções abaixo de 20%, pois, abaixo deste patamar, entende-se que seriam necessárias tecnologias e aportes financeiros diferentes daqueles necessários para que as perdas se enquadrem nos limites de 20% a 30%”, descreve o relatório.

Para alcançar perdas de 28% nas duas macrorregiões (Campinas e São Paulo) até 2035, seriam necessários investimentos de R$ 11,4 bilhões. Levando-se em conta a economia da empresa, o empreendimento causaria um prejuízo de cerca de R$ 540 milhões, prossegue explicando o documento. Ou seja, não ter atacado o problema antes o tornou mais complexo e mais caro de resolver. A Sabesp não se manifestou sobre os questionamentos apresentados na última sexta-feira (14) pela Rede Brasil Atual (Rede Brasil Atual/CartaCampinas)