“Que discos levar para uma ilha deserta?”. Atualmente, a resposta poderia ser todas as músicas do mundo. Por meio dos serviços de streaming (execução online), um acervo ilimitado de canções pode ser ouvido pela internet.
Basta pagar uma mensalidade para ter acesso a músicas de todos os estilos e de todas as épocas no computador, no celular, no tablet e até em determinados tipos de televisão.
Usada em uma peça de serviços de música pela internet, a pergunta sobre a ilha deserta revela que o streaming de canções está provocando uma revolução no mercado musical. Segundo especialistas, as inovações não se limitam à comodidade. O próprio sistema de direitos autorais, dizem, poderá encontrar o caminho para sair do impasse entre as gravadoras e as mídias digitais.
“Os serviços de streaming permitem que a indústria e os provedores de internet enfim cheguem a um acordo sobre o pagamento de direitos autorais. O conceito de ter uma assinatura que dá direito a ouvir tudo, em qualquer lugar, não invalida o consumo individual da música e monetiza [leva dinheiro] para as gravadoras. Basta deixar de pagar para não ter mais acesso”, explica o advogado Sydney Sanches, presidente da Comissão de Direito Autoral e Propriedade Industrial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
Segundo Sanches, sistemas de assinatura online como Deezer, Terra Napster e Spotify (em fase de teste no Brasil) representam a terceira fase da distribuição digital de músicas. A primeira, relata, consistia no controle do suporte físico (LP e CD) pelas gravadoras, na época em que a indústria tentou proibir a qualquer custo a reprodução de canções pela internet. A segunda, diz, surgiu em meados dos anos 2000, quando as gravadoras chegaram a um acordo com algumas empresas e surgiram as páginas de download legalizado.
As ferramentas de streaming, ressalta o advogado, são mais flexíveis que as lojas digitais de música. “Nas lojas online, o suporte é digital, mas o raciocínio ainda é analógico. O usuário precisa comprar e armazenar cada canção”, explica Sanches. “O avanço definitivo só veio com os serviços de músicas online, que harmonizaram o conceito de internet e a distribuição de conteúdos artísticos”, completa.
Para o especialista em direito autoral Allan Rocha de Souza, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), os serviços online de assinatura mostram que tanto as gravadoras como as empresas de internet estão amadurecendo e adaptando-se à realidade do século 21. “A indústria começou a oferecer opções em vez de apenas brigar com os sites”, diz.
De acordo com o professor, a internet fez a indústria perder o controle sobre a produção de conteúdos artísticos e criou uma demanda efetiva por acesso à cultura. “A indústria tentou reprimir num primeiro momento, o que gerou briga. Levou muitos anos para as gravadoras se convencerem de que era necessário encontrar outra solução e passar a arrecadar com a internet”, declara.
Apesar das vantagens para o consumidor e de uma perspectiva para as gravadoras, Souza diz que os serviços de streaming ainda estão em fase inicial e precisam amadurecer. “Acredito que essas ferramentas ainda não atendem à demanda por cultura, seja por mensalidades altas, seja pelo caráter temporário dos downloads. Alguns serviços permitem que os usuários baixem músicas para ouvirem quando estiverem desconectados, mas as bloqueiam assim que ele sai do serviço”, critica.
Outro ponto de preocupação, destaca o professor, consiste na possível invasão de privacidade pelas empresas que oferecem os serviços de streaming. “As empresas detêm a informação sobre o que cada um ouve. Isso abre brecha para comportamentos abusivos, como a inserção de anúncios e sugestões personalizadas”, adverte.
Em relação à pirataria, Sydney diz que as ferramentas de assinatura online contribuem para diminui-la, embora não sejam capazes de erradicar o consumo ilegal de músicas. “Qualquer serviço tem custos, que são pagos pelos consumidores. É impossível abolir a pirataria, que é de graça. O desafio, para os próximos anos, é oferecer serviços legais, de qualidade e de baixo custo”, analisa. (Agência Brasil)