No livro, que consumiu de Sartre quinze anos de trabalho, além dos fatos e da abordagem onde se costuram a todo momento literatura e filosofia, percebe-se a exuberante fluência de escrita do filósofo, aliada a uma paixão inesgotável sobre seu tema de reflexão.
Para entender em que lugar se situa o livro, é preciso compreender uma certa tensão dialética que se coloca entre a individualidade e a universalidade do homem. “O homem nunca é um indivíduo; seria melhor chamá-lo universal singular”, diz Sartre no prefácio desta obra. Isso nos faz pensar que todo olhar endereçado a uma outra existência, deve considerar não só essa existência a partir de suas singularidades, de seus episódios particulares, mas também essa existência como algo situado em uma época, um contexto histórico. Dessa forma, o particular e o universal se encontram e devem estar em constante diálogo. Se um deles for deixado de lado, o olhar sobre o outro sempre vai deixar algo para trás.
Isso parece não acontecer nesse estudo de Sartre, onde os episódios e fatos particulares de Flaubert se encontram a todo momento com os fatos do seu tempo, indo de um ponto de vista a outro incessantemente.
“Podemos entrar em um morto da maneira que quisermos. O essencial é partir de um problema”, diz Sartre, e o começo escolhido pelo filósofo para escrever sobre a vida de Flaubert foi sua primeira infância onde, segundo ele, estaria a origem dessa chaga ‘sempre escondida’ que ditou o percurso de sua vida inteira.
O primeiro volume da obra, neste sentido, trata da constituição de Flaubert a partir de seu meio familiar. Mãe fria e pai autoritário são os ingredientes determinantes da passividade pessimista do adolescente, para quem a realidade é essencialmente má. No segundo volume, vemos configurar-se a decisiva “opção pelo irreal”, a partir da vivência concreta do condicionamento infantil. No terceiro volume, os pontos de vista particular e universal parecem se encontrar quando o autor apresenta a hipótese de que a neurose subjetiva de Flaubert seria a particularização de uma neurose coletiva, compartilhada pela elite culta da burguesia do Segundo Império francês.
Última obra de Sartre, interrompida pela sua cegueira, “O Idiota da Família” é ao mesmo tempo uma síntese de tudo o que o precedeu e um ápice inacabado de todas as suas buscas, como disse Annie Cohen-Solal, biógrafa do filósofo. Uma obra onde podemos encontrar aquele que escreve e aquele sobre o qual se escreve, o que um dia declarou sobre si próprio: Madame Bovary c’est moi.
O segundo volume de “O idiota da família” está previsto para maio/junho e o terceiro para junho/julho de 2014.
O idiota da família V.1
Jean-Paul Sartre
Tradução de Julia da Rosa Simões
1.112 páginas
R$ 128,00
Formato: 14 x 21 cm
ISBN 978-85-254-2993-3 – Código de barras 9788525429933