Sobre mulheres, transfobia e direitos

(foto coletivo marchadas vadias – ccl)

.Por Diama Bhadra Vale.

O feminismo, enquanto movimento político, utiliza o 8 de março para defender uma convivência coletiva que não limite o pleno desenvolvimento da mulher em suas dimensões econômica, social e afetiva. Historicamente, a sociedade ocidental se constituiu de maneira patriarcal, racista e hétero-cis-normativa. A manutenção dessa estrutura se sustenta no domínio sobre os corpos femininos. O machismo tornou-se a voz atenuada do modelo de opressão patriarcal. A misoginia, é a expressão de sua agressividade, por sua vez vinculada a uma identidade masculina que não suporta o rancor, a repulsa e a aversão que a figura feminina lhe provoca.

No pensamento feminista brasileiro o conceito de interseccionalidade permitiu compreender que a mulher negra ocupa um lugar estratégico na perpetuação das práticas machistas em nossa sociedade. A objetificação de seus corpos define papéis sociais para que se dediquem, essencialmente, às tarefas de cuidadoras das bases de suas comunidades, notadamente em ocupações como empregadas domésticas, babás, profissionais de limpeza, técnicas de enfermagem, entre muitas. Isso para que homens, e também mulheres brancas, preservem seu poder e se enriqueçam material e culturalmente. Este desprestígio social naturaliza a expressão mais nefasta da misoginia: os corpos de mulheres negras são os mais frequentemente identificados nas taxas de violência doméstica e sexual e, mais gravemente, no feminicídio.

Para que a sociedade brasileira avance na proteção dos direitos das mulheres é urgente superar as inequidades. Um olhar cuidadoso nos revela que outros sujeitos também estão em situação de vulnerabilidade e compartilham dores e processos históricos de exclusão, como as mulheres do campo e das florestas, cujas pautas específicas dialogam com as questões da territorialidade e da interação das pessoas com o ambiente.

A mobilidade social da mulher vulnerável muito amedronta aqueles que se apoiam no modelo econômico de acúmulo e na manutenção do prestígio masculino. Um outro sujeito incomoda sobremaneira o patriarcado e precisa ser incorporado pelas pautas feministas: as pessoas travestis e transexuais. Pela manipulação dos mais terríveis preconceitos, esses sujeitos tornaram-se a expressão do que é mais abjeto no pensamento machista: o asco ao corpo que não corresponde à sua função biológica e social. Como justificar a superioridade da identidade masculina num corpo portador de falo que o rejeita? E para além disso, um corpo que elege a identidade feminina como sua expressão. É um ato revolucionário de insubordinação ao reconhecimento do papel masculino na sociedade. A repulsa, a aversão e a violência ao feminino atingem nesses corpos o seu ápice. Compreender a transfobia é o próximo desafio para a evolução do pensamento e enfrentamento da luta feminista.

A defesa dos direitos das mulheres pressupõe a implementação e efetivação de um aparato legal que garanta sua segurança e amparo social, para possibilitar aos corpos femininos, em todas as suas expressões, o desenvolver em plenitude das suas potencialidades numa sociedade justa, solidária, plural e sustentável. Espera-se dos corpos masculinos a prática do afeto e do cuidado nas suas relações. A identidade masculina precisa ser exercida sem que outras expressões sejam subjugadas.

Por Profa. Dra. Diama Bhadra Vale é Departamento de Tocoginecologia da Unicamp

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