.Por Rogério Bezerra da Silva.
Numa rápida olhada num site de busca pela palavra “ambientalismo” obtemos como resposta: “O ambientalismo, movimento ecológico ou movimento verde consiste em um heterogêneo feixe de correntes de pensamento e movimentos sociais que têm na defesa do meio ambiente sua principal preocupação, reivindicando medidas de proteção ambiental e sobretudo uma ampla mudança nos hábitos e valores da sociedade de modo a estabelecer um paradigma de vida sustentável” (wikipedia.org). Desse modo, ambientalista seria aquele ou aquela que luta, coletiva ou individualmente, pela defesa do meio ambiente de modo a promover a sustentação e preservação da vida.
É, por pura impressão minha, comum as pessoas associarem ambientalistas a lutas como as que envolvem mudanças climáticas, aquecimento global, desmatamentos, dentre tantas outras que ganham maior repercussão midiática. Além disso, também por pura impressão minha, as pessoas imaginam ambientalista como aquele ou aquela que está sempre num lugar distante, isolado do restante da sociedade, haja vista as causas que defende.
Numa tentativa de problematizar esse inconsciente coletivo é que apresento a vocês Marcos Joaquim de Oliveira, o Marcão do Campo Grande. Do Campo Grande, pois ele reside em uma das regiões com maior número de moradores de Campinas (cidade a cerca de 100 Km de São Paulo). Campo Grande (elevado a Distrito, em 2015) é a segunda região mais populoso do município, ficando atrás do Ouro Verde, com mais de 200 mil habitantes.
Marcão do Campo Grande é membro do Grupo de Proteção Ambiental do Campo Grande e brigadista da Brigada Popular Cachorro do Mato. Começou em 2011 sua atuação como ambientalista, apagando incêndios florestais, plantando árvores, roçando áreas de plantios, mobilizando moradores, protocolando denúncias de crimes ambientais no Ministério Público e na Prefeitura e, principalmente, promovendo educação ambiental.
E quais os principais problemas ambientais que um ambientalista que vive e atua na periferia de uma grande cidade, como Campinas, se dedica a enfrentar? Como dito pelo Marcão: “a especulação imobiliária é o maior desses problemas. Mas, temos que nos dedicar também a combater os incêndios criminosos, o descarte irregular de lixos e entulhos. Tudo isso é agravado porque há falta de fiscalização do poder público. Por isso, nós, ambientalistas, somos obrigados a ‘por a cara pra bater’ ao enfrentar esses problemas. E, ao fazer isso, recebemos um monte de ameaças”. Você, leitor e leitora, até aqui, imaginava que a especulação imobiliária é também um problema ambiental e que atinge a periferia das cidades?
Só para dar uma ideia do tamanho desse problema, destacamos aqui uma matéria publicada no Blog da Rose, em 20 de abril deste ano, que diz: “APA do Campo Grande equivale a 1% da área ambiental de Campinas. Deste total, 12% desta gleba já está totalmente ocupada por loteamentos e condomínios clandestinos. Das 25 denúncias de instalação de parcelamento de solo sem autorização da Prefeitura de Campinas, 16 delas estão na APA do Campo Grande”.
Muitas vezes é o ou a ambientalista, enquanto indivíduo, que é excessivamente marcado nas lutas contra esses crimes ou danos ambientais, recorrentes na periferia. Isso porque, distinto de outras lutas e causas ambientais, “na região do Campo Grande não temos ONGs ambientalistas”, como dito pelo Marcão.
Devido à luta contra crimes ou danos ambientais estar sempre referenciada na pessoa, por ela não ter uma instituição (como uma ONG, por exemplo) que lhe sirva como abrigo, ela se torna marcada como a que sempre faz as denúncias aos órgãos competentes em casos de irregularidades ambientais identificadas no espaço em que atua. E, por isso, o ou a ambientalista que atua na periferia das cidades recebe constantes “ameaças de morte”, como dito pelo Marcão. Marcão nos fala de um episódio que o marcou: “havia um terreno aqui no Campo Grande que estava sendo utilizado para descarte irregular de gesso. Uma denúncia, anônima, do descarte não tardou para chegar aos órgãos ambientais. Esses órgãos vieram fazer a averiguação da denúncia e constataram a irregularidade. Feita a fiscalização, não é que a pessoa que estava fazendo o descarte irregular veio até a minha casa com arma na mão para tirar satisfação?”.
Neste caso, vale destacar dados do “Mapa da Violência de Campinas”, elaborado pela FEAC em 2019, que mostrou que, em 2017, a taxa de homicídios no município foi de 16 mortes a cada 100 mil habitantes, o que colocava Campinas acima da taxa do Estado de São Paulo (que era de 10,7 mortes por 100 mil habitantes). A região do Campo Grande respondeu por cerca de 20% desses homicídios.
A preocupação com a preservação de áreas de mata, da vegetação nativa, de rios e córregos é constante na vida de ambientalistas da periferia das cidades. Essa preocupação pode até causar uma certa estranheza no leitor ou na leitora, isso porque, se têm paisagens marcadamente urbanizadas (acinzentadas devidos às edificações), essas são os centros das cidades e suas periferias.
Quem, com “passos sempre apressados”, olha para a periferia das cidades pouco nota que, dentre casas, prédios, estabelecimentos comerciais, há sim áreas verdes a serem preservadas. E que, se não fosse o ativismo incessante de ambientalistas da periferia, essas áreas sequer existiriam.
Marcão é contundente quando diz que, “infelizmente o poder público se preocupa muito em garantir votos para políticos e pouco em garantir o cumprimento das leis existentes. Exemplo disso é que têm muitas áreas de APPs, localizadas em área urbana, que são invadidas por cocheiras de cavalos. Existe lei que proíbe isso, mas o poder público não faz absolutamente nada. Fora as fiscalizações que precisam ser feitas na APA do Campo Grande e não são feitas. A gente liga na Polícia Ambiental, mas eles não vêm verificar. Liga na Guarda Municipal e eles demoram a vir e, com isso, não pegam o flagrante. A Defesa Civil vem, mas ela não tem poder de polícia. Apesar de tudo isso, nossa atuação é essencial para a preservação ambiental”.
Essa omissão do poder público, tal como apontado pelo Marcão, é um dos fatores que faz com que Campinas tenha apenas 14% de seu território coberto por área verde. O município, nesse quesito, está à frente apenas de Ribeirão Preto, que tem 9% de seu território coberto por área verde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade mínima preconizada é de 12 m² de área verde por habitante, como destacou matéria do G1 Franca e Região, de 22 de setembro de 2021.
Uma das formas de contornar a omissão do poder público em relação aos problemas ambientais existentes na periferia das cidades é a criação de redes de apoio. Marcão faz questão de deixar registrado que “sempre chama outras ONGs para ajudar a defender a região. De 2017 em diante consegui fazer parcerias com Resgate Cambuí, APA Viva, CONGEAPA Campinas, Faculdade de Biologia da PUC Campinas, PROESP e Brigada Cachorro do Mato”. Para Marcão, “o melhor de tudo são as trocas de conhecimento. Eu ensino o que sei sobre serpentes, que é meu forte, e fazer abafadores e eles ensinam aquilo que eles sabem. Oferecem, principalmente, ajuda jurídica. Graças a essas parcerias temos hoje bastante advogados em defesa das causas ambientais na periferia”.
Marcão faz questão de deixar registrado duas coisas. A primeira, é que, apesar dos percalços diários que têm que enfrentar, “se sente feliz” pelo que faz. E, a segunda, é a de que “precisamos muito da juventude assumir essa AÇÃO. Não adianta só ser ter preocupação com o meio ambiente e cruzar os braços ou deitar no sofá para assistir a destruição pelo telejornal ou atuar pela internet. É hora de sair da toca”.
Chamar a atenção para a atuação dos ambientalistas da periferia é, junto a toda importância que eles e elas têm para a sustentação das cidades, também uma forma de dar continuidade ao ativismo de Dom Phillips e Bruno Pereira e dos milhares de indígenas que, diariamente, enfrentam o poder das corporações para defender a minha e a sua, leitor e leitora, vida.
Por Rogério Bezerra da Silva, Diretor/Presidente da AGB Seção Campinas.