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Escutar o que foi soterrado: Núcleo Barro 3 problematiza o espaço da cidade no espetáculo ‘Errantes’

Em São Paulo – Entre 12 e 28 de agosto, o Núcleo Barro 3 estreia no Centro Cultural São Paulo o espetáculo Errantes, obra criada a partir da expedição da companhia por monumentos da cidade de São Paulo que exaltam figuras opressoras e ditatoriais da história brasileira. A peça, iniciada no projeto cartas a ele, contou com uma série de etapas, como aulas públicas e intervenções urbanas. A dramaturgia de Errantes é de Victor Nóvoa e a direção é de Lucas França. No elenco, estão Rosana Pimenta, Gustavo Braunstein, Guto Vieira, Catarina Milani, Jefferson Brito Ramos e Letícia Oliveira.

Errantes (Foto: Jamil Kubruk)

Partindo da rua como um espaço que funda a identidade criativa do grupo, essa obra levanta o questionamento do que ocorreria se os trabalhadores decidissem parar. A dramaturgia, dividida em oito movimentos, traz performances relacionadas aos percursos do grupo pelos espaços da cidade marcados por homenagens a diferentes tiranos. 

“A linha condutora de Errantes é a observação da cidade. Olhar o espaço e problematizá-lo. A movimentação do elenco, apesar de ser coreográfica, tem proposição estética mais reta, linear, quase como corpos-máquina dentro de suas individualidades. São atores e atrizes que se utilizam de dispositivos da dança para compor imagens”, conta o diretor Lucas França.

– Nem nasceu o sol.  Aqui, o café quando há, fervo no asfalto quente que berra logo cedo. Boto o sapato no pé. Uniforme posto. Corro. Desgosto. Corro. Imposto. Aperta os dedos. Calo na sola. Corro. Carro. Carro. Carro. Corro. Atravesso. Quase atropelado. De novo. Corro pra estar na segurança, na faxina, na entrega, na portaria. Corro. Sapato aperta. Dói demais. Esmaga os dedos. Estanca o sangue da base. A outra que tava aqui antes que eu, tinha o pé menor. Ela precisou sair. Sofreu acidente. Desandou.  Sigo no corre. Trem lotado. Olho para o chão.  Vejo multiplicado no piso trêmulo do vagão muitos sapatos, olho para o meu. São iguais. Quer dizer, uns mais velhos, outros mais apertados, largos, frouxos, com bico gasto, com a sola descolando, com rachaduras em cima, com barro preso, com… com… com… sigo no corre. Não tenho tempo pra sentir. Não tenho tempo pra imaginar. Pra esperançar. Não querem. Vai que eu olhe para todos esses sapatos e tenha uma ideia revolucionária. Vai que eu olhe para todos esses sapatos e decida inflamá-los para parar. Isso, só parar. Parar agora. Descer do trem, ir até a rua e simplesmente parar.  Cruzar os braços e deixar o tempo passar.

Trecho da dramaturgia de Errantes

A cenografia e o figurino também são pautados a partir das observações dos espaços públicos, trazendo a concretude desses lugares para os elementos cênicos do espetáculo. Os oito movimentos, inclusive, ocorrem em um cenário que remete a uma praça pública. Em certo momento, o coro de errantes também se organiza em uma espécie de festa-protesto, trazendo uma ideia de ocupação da cidade e propondo uma possível queda de figuras autoritárias.

Os corpos se movimentam dentro dessa estrutura concretada em diferentes formações, evocando a figura de errantes pela cidade. A sonoplastia é composta por uma trilha original com sonoridades presentes na cidade e a iluminação foi criada a partir de uma investigação sobre a iluminação de museus e de espaços públicos abertos. 

Errantes é parte do projeto cartas a ele, que teve etapas conceituais antes de se tornar uma peça com dramaturgia assinada por Victor Nóvoa. A primeira delas foi uma aula pública com a filósofa Marcia Tiburi, exilada do Brasil devido aos ataques e ameaças a que tem sido submetida nos últimos anos. 

A questão disparadora da conversa foi “O Que Você Diria Para Um Fascista?”, seguida pela troca de correspondências entre oito atores e atrizes e oito dramaturgos e dramaturgas, cujo resultado foi a produção de oito monólogos produzidos na linguagem audiovisual. 

A dramaturgia tomou como base as duas etapas do projeto, tantos os monólogos, que estão disponíveis no canal do Youtube do grupo, quanto nos cadernos de artistas, que foram suporte para a escrita criativa e reflexiva do elenco, a partir de  suas incursões pelas ruas em que estão as obras que homenageiam figuras autoritárias.

O grupo de teatro Núcleo Barro 3 também ofereceu três aulas públicas, presenciais e gratuitas no MAM-SP com temas voltados às pesquisas da criação de novo trabalho e discutiram a relação de oito monumentos da cidade de São Paulo com tendências totalitaristas.

“Tratou-se de uma etapa artístico-pedagógica que teve continuidade com caminhadas do elenco pelas regiões que se encontram oito monumentos, seguidas pela criação de intervenções urbanas que culminaram com a montagem do espetáculo”, conta Lucas França, diretor do Núcleo. 

SINOPSE

Um coro de errantes caminha pela cidade. Seis figuras perseguem rastros históricos em monumentos que ilustram narrativas herdadas por uma colonização que vangloriou assassinos e espalhou seus ideais, por meio de símbolos e imagens, entre ruas e praças. Seus pés descalços buscam escutar tudo o que foi soterrado, emergindo o pulso do batuque que tem o poder de incendiar pensamentos ultrapassados.

O Núcleo Barro 3 é um coletivo de teatro sediado em São Paulo. Desde de sua criação em 2016, tem desenvolvido como fundamento para a cena um conjunto diverso de procedimentos e experimentações que, em grande medida, tem forjado seus meios e modos de criar artisticamente. Os trabalhos partem sempre de inquietações sobre a realidade vivida em fricção com o espaço público, numa tentativa de, pela linguagem da cena, suscitar formas de problematizar as questões de nosso tempo-espaço.

FICHA TÉCNICA

Realização: Núcleo Barro 3

Concepção: Douglas Scaramussa, Lucas França e Rosana Pimenta

Direção: Lucas França

Dramaturgia: Victor Nóvoa com fragmentos de texto de Manuel Rui

Elenco: Rosana Pimenta, Gustavo Braunstein, Guto Vieira, Catarina Milani, Jefferson Brito Ramos e Letícia Oliveira

Pesquisa e Mediação: Douglas Scaramussa

Preparação Corporal: Fernanda Raquel 

Preparação Vocal: Gabriela Flores 

Cenografia e Figurino: Eliseu Weide

Iluminação: Fellipe Oliveira

Sonoplastia: Leandro Wanderley

Produção Audiovisual e Designer de Projeção: Cesar Barbosa

Fotografia: Thiago Rodrigues 

Câmera: Kaique Chock

Operação de Projeção:  Fernanda Guedella

Fotos: Jamil Kubruk 

Staff fotografia de Estúdio : Kenai Films

Arte Gráfica: Estúdio Pavio 

Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação 

Audiodescrição: Ver com Palavras

Libras: Juliana Gonçalves

Coordenação de Projeto: Douglas Scaramussa, Lucas França e Rosana Pimenta

Produção: Movicena Produções (Jota Rafaelli)

Assistência de Produção: Jéssica Policastri

Errantes – Núcleo Barro 3

Temporada: 12 a 28 de agosto de 2022. Quinta, sexta e sábado, 21h; domingo, 20h

Local: Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho

Endereço: Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso, São Paulo – SP, 01504-000

Classificação indicativa: 14 anos

Duração: 55 minutos

Entrada Gratuita. Retirada com uma hora de antecedência, na bilheteria

(Carta Campinas com informações de divulgação)

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