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Dos índios errantes ao Egito mítico: ‘Desvairar 22’ reúne mais de 270 itens de múltiplas artes em uma busca por outra origem e outra história

Em São Paulo – De 27 de agosto de 2022 a 15 de janeiro de 2023, a exposição “Desvairar 22” poderá ser vista no Sesc Pinheiros. Com curadoria de Marta Mestre, Veronica Stigger e Eduardo Sterzi, a mostra parte da Semana de Arte Moderna de 22 para rememorar alguns dos acontecimentos que marcaram aquele ano, como o centenário da Declaração da Independência do Brasil, a Exposição Internacional do Centenário, a primeira transmissão de rádio no país e a descoberta da tumba do faraó Tutancâmon.

Tarsila do Amaral, Calmaria II, 1929 (Acervo Artístico Cultural dos Pálácios do Governo do Estado de São Paulo)

“Rememorar, por meio de datas marcantes, acontecimentos de repercussão histórica pode possibilitar a identificação, por meio de novos olhares, de fricções e choques presentes em circuitos já desgastados, com reparações que só serão possíveis a partir do envolvimento da coletividade”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.

Transitando entre fatos e imaginação, “Desvairar 22” se propõe a explorar caminhos ainda não percorridos. “Escolhemos duas imagens fundamentais em torno das quais organizamos nossa comemoração. Os ‘índios errantes’ que, de ‘O Guesa’ de Sousândrade ao ‘Macunaíma’ de Mário de Andrade, povoam os sonhos de escritores e artistas como imagem por excelência dos povos por vir, e um Egito mítico, sobretudo, delirante, invocado com frequência nas artes, como uma espécie de alegoria do próprio inconsciente do tempo na sua busca por outra origem e outra história”, justificam os curadores.

 Fernando Lindote, Macunaíma, jugue! (2015)
Artista desconhecido, sarcófago ano c. 3000 A.C (Acervo Museu de Arqueologia e Etinologia da USP (Foto: Carol Quintanilha)

A mostra reúne mais de 270 itens de artes visuais, música, literatura e arquitetura, que serão apresentados em quatro diferentes núcleos.

PERCORRENDO A EXPOSIÇÃO

“Desvairar 22” ocupa o espaço expositivo do 2º andar, mas já está presente logo na chegada à unidade. Uma charge da cartunista Laerte – em que esfinge pede: “decifra-me outra hora” – será reproduzida no muro de 22m x 6m da entrada do Sesc Pinheiros.

Laerte, Tirinha Decifra-me outra hora (Reprodução Matias Oliveira e Aline Lorenzon (Foto: Carol Quintanilha)

“Está fundado o desvairismo”. Com a frase de “Paulicéia Desvairada”, de Mário de Andrade e ao som de “Alalaô” (“Allah-lá-ô”), marchinha do Carnaval de 1941, o público adentra a coletiva e chega em uma espécie de “prólogo da mostra”, como definem os curadores, que tem “Calmaria II”, de Tarsila do Amaral, como um dos destaques dessa área.

A pintora modernista visitou o Egito em 1926, com o então marido Oswald de Andrade, e referências dessa viagem estão nessa e em outras de suas obras. Flávio de Carvalho, Vicente do Rego Monteiro, Murilo Mendes e Graça Aranha também estão nesta seção, que leva o visitante até um sarcófago egípcio original. Ele está no centro da exposição, que tem uma montagem circular e seis vias a serem percorridas.

O primeiro núcleo é “Saudades do Egito”. “A terra dos faraós e dos sacerdotes, das pirâmides e das esfinges, vem inquietando há tempos a narrativa linear da cultura dita ocidental. A modernidade, com a invenção do turismo e da fotografia, renovou esse interesse pelo país, que agora é não só origem, mas também destino”, diz a curadoria.

Nesta seção estão fotos da expedição que D. Pedro II fez ao Egito na década de 1870. Apesar de ter visitado o país aos 45 anos, o imperador era um “egitomaníaco” desde infância. Da viagem, trouxe muitos artefatos históricos, que formaram um dia o maior acervo egípcio da América Latina, mas grande parte dele se perdeu com o incêndio em 2018 do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

D. Pedro II e Dona Teresa Cristina Maria e comitiva junto às pirâmides, 1871 (Acervo Fundação Biblioteca Nacional)

A descoberta da tumba de Tutancâmon é lembrada em jornais da época. A arquitetura “faraônica” de Brasília está representada em fotos de Marcel Gautherot e na série “Estudo de caso Kama Sutra”, da artista Lais Myrrha. A inspiração do Egito se revela na ópera Aida, em músicas de Margareth Menezes e Jorge Benjor e em videoclipe do grupo É o Tchan. As raízes negras do país africano também são ressaltadas no núcleo em obras como de Abdias do Nascimento.

“Os Ossos do Mundo” é título de um livro de Flávio de Carvalho, que mostra seu fascínio pelas ruínas e coleções dos museus como uma forma de penetrar nas várias camadas de história que formaram indivíduos e sociedade, ajudando a entender o presente e também o futuro.

Neste núcleo se destacam imagens do desmonte do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. Símbolo do passado colonial português, ocupava uma área de 184 mil m2, e foi destruído em nome de uma modernização urbanística e a construção dos pavilhões para a Exposição Internacional do Centenário.

Figuras que remetem às múmias aparecem em obras como a de Cristiano Leenhardt.  Originário do Egito, o mosquito Aedes aegypti também ganha espaço, surgindo em uma tela de Oswald de Andrade Filho e em “Farra do Latifúndio”, obra inédita de Vivian Caccuri.

 Vivian Caccuri, Farra do latifúndio, 2022

O próximo núcleo é “Meios de Transporte”. “A revolução tecnológica da modernidade encurtou distâncias e abriu caminhos novos para o corpo humano e, ao mesmo tempo, colocou-o diante de perigos e impasses inéditos. Não por acaso, a imaginação modernista incorporou obsessivamente a suas criações esses novos veículos que alteraram para sempre a face do mundo”, explicam os curadores.

Há registros da passagem do dirigível Graf Zeppelin pelo Brasil nos anos 1930 e de um bonde empacado fotografado por Mario de Andrade. Mas o núcleo não se restringe a veículos de locomoção. “Pelo telefone” é o primeiro samba registrado fonograficamente. Daniel de Paula transforma em escultura uma luminária sucateada da Avenida Paulista, em São Paulo. Gravações feitas por Roquette Pinto de canções dos indígenas Pareci e Nambikawara e obras de Denilson Baniwa que inserem aparelhos tecnológicos no cotidiano indígena preparam o visitante para o último núcleo.

“Índios Errantes” se dá na contramão da idealização do indianismo romântico. É menos a “Iracema” de características europeias de Antônio Parreiras e mais o “Macunaíma” revisitado por Fernando Lindote. O núcleo traz obras de Anna Maria Maiolino, Carybé, Flávio Império, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Paulo Nazareth e Regina Parra. Registros da expedição realizada por Mário de Andrade à região amazônica em 1927 e fotos de Claudia Andujar e Alice Brill também estão presentes nesta seção.

 Lais Myrrha, Estudo de caso Kama Sutra 55 Ano 2021 Acervo Coleção da Artista. Cortesia Galeria Millan

A literatura é parte muito relevante da exposição, tangenciando e desdobrando sua pesquisa. Em toda a mostra, há trechos de autores diversos, que vão de Clarice Lispector a Ana Cristina Cesar, de Menotti del Picchia a Glauber Rocha. Em “Índios Errantes” ganha destaque um texto de 2018 do artista indígena Jaider Esbell, morto no ano passado. “O ser que sou, eu mesmo, é homem, um guerreiro pleno de 1,68 metros, 82 kg, 39 anos. É livre como deve ser. É livre como é meu avô Makunaima ao se lançar na capa do livro do Mário de Andrade (…)”.

Encerrando a visita, na varanda ao ar livre, o público conhecerá a instalação dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, campeões pela Acadêmicos do Grande Rio neste ano. “Exunautas” é uma remontagem de parte do carro alegórico que encerrou o desfile da escola de samba na Sapucaí. Ela traz sete esculturas que representam o orixá Exu e suas dimensões transformadoras.

Gabriel Haddad e Leonardo Bora, Exunautas (Foto: Carol Quintanilha)

“Desvairar 22” contempla a ação em rede “Diversos 22: Projetos, Memórias, Conexões”, desenvolvida pelo Sesc São Paulo.

“Diversos 22 – Projetos, Memórias, Conexões” é uma ação em rede do Sesc São Paulo, em celebração ao Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ao Bicentenário da Independência do Brasil em 1822, com atividades artísticas e socioeducativas, programações virtuais e presenciais em unidades na capital, interior e litoral do estado de São Paulo, com o objetivo de marcar um arco temporal que evoca celebrações e reflexões de naturezas diferentes, mas integradas e em diálogo, acerca dos projetos, memórias e conexões relativos à efeméride, no sentido de discuti-los, aprofundá-los e ressignificá-los, em face dos desafios apresentados no tempo presente. A programação teve início em setembro de 2021, com a realização do Seminário “Diversos 22: Levantes Modernistas”, e encerra-se em dezembro de 2022. Mais informações, acesse.

EXPOSIÇÃO ‘”DESVAIRAR 22”

Abertura: 27 de agosto, às 11h

Visitação até 15 de janeiro: terça a sábado, das 10h30 às 21h | domingos e feriados, das 10h30 às 18h

Local: Sesc Pinheiros – Endereço: Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo, SP

Estacionamento com manobrista: terça a sexta, das 7h às 21h; Sábado, domingo, feriado, das 10h às 18h. Para atividades no Teatro Paulo Autran, preço único: R$ 12,00 (Credencial Plena) e R$ 18,00 (Credencial MIS, Credencial Atividades e não credenciados ao Sesc). 

(Carta Campinas com informações de divulgação)

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