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Único texto teatral de Clarice Lispector inspira espetáculo ‘Mulher nenhuma cabe dentro de um apartamento’, do grupo Claricena

Em São Paulo – Apostando em uma plataforma popular de mensagens para encenar sua nova montagem, que traz à cena o debate sobre feminicídios, o Grupo Claricena, formado por artistas oriundos da SP Escola de Teatro, estreia “Mulher nenhuma cabe dentro de um apartamento”. O experimento cênico audiovisual pode ser conferido a partir de dia 29 de julho, sexta-feira, com sessões às 19h e 21h, no WhatsApp.

(Imagem: Arquivo Clarice Lispector)

Com encenação de Anderson Vieira, dramaturgia de JulIa Balista e dramaturgismo de Barbara Esmênia, “Mulher nenhuma cabe dentro de um apartamento” tem como ponto de partida A pecadora queimada e os anjos harmoniosos, único texto teatral de Clarice Lispector. No experimento cênico, os intérpretes-criadores Amara Hartmann, Emmerson Leão, Fernanda Heitzmann, May Oliveira e Nathiaga Borges utilizam vários recursos do WhatsApp, como áudios, textos, fotos e vídeos para transpor todo o universo de um espetáculo teatral para a linguagem do aplicativo de mensagens mais popular brasileiro.

A partir da obra escrita em 1964 por Clarice Lispector, que expõe a queima de uma mulher em praça pública, “Mulher nenhuma cabe dentro de um apartamento” atualiza as violências cometidas contra mulheres e a abordagem midiática em torno de tais casos. “Afinal, com tanta produção de notícias, como aprofundar o debate e gerar reflexões críticas em meio a uma produção mais interessada nas manchetes e imediatismo ao invés do combate para o fim destas violências?”, questiona o encenador Anderson Vieira.

A montagem propõe adicionar uma lupa de aumento ao universo do texto de Clarice Lispector, que registra em suas obras os padrões de comportamento redutores de uma sociedade patriarcal. O curioso do texto que inspirou o projeto, entre todas as particularidades da escrita dramática da autora, é a publicidade em torno das ações e corpo da mulher, que se mantém em silêncio durante todo o texto, enquanto o restante da sociedade tem sua voz amplificada. O mesmo ocorre nas diversas divulgações de casos de feminicídio pela mídia jornalística e de entretenimento do Brasil.

Vida em condomínio

Em “Mulher nenhuma cabe dentro de um apartamento”, personagens que vivem num mesmo condomínio têm suas rotinas acompanhadas por monitoramentos eletrônicos de vigilância. Hiper controladas, mescla-se o limite entre segurança e invasão de privacidade, linhas tênues ao se pautar proteção e autonomia.

No foco da montagem está Irene, mulher vibrante em busca de sua liberdade que se vê às voltas da impossibilidade de realizar seus desejos, seja por controle alheio, por impedimento de mobilidade ou mesmo por sua condição determinante: é ela uma mulher e nenhuma cabe dentro de um apartamento.

A experiência cênica pauta ainda o envolvimento da mídia com tais casos relacionados a questões de gênero e como suas abordagens contribuem para a formação de um imaginário perverso contra as mulheres, realizando um desserviço no combate às violências pelas quais mulheres são diariamente submetidas.

Realizado ao vivo, cada intérprete-criador do espetáculo dá vida a um personagem. Entre a pesquisa da montagem e todo o entendimento do funcionamento da plataforma de mensagens foram dois anos e meio. Cada intérprete-criador está conectado com um celular e um computador para a realização de toda a sequência de ações. “Todos os tempos, como digitar, anexar uma foto ou enviar um áudio, são pensados de forma orgânica. Os atores não são técnicos de transmissão, mas compartilham dos mesmos riscos se estivessem em um palco”, explica o encenador.

Como a sociedade lida com o corpo da mulher?

Embora escrito na década de 60 do século passado, o texto de Clarice Lispector encontra ainda maior relevância no Brasil pandêmico de 2021. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa de feminicídio no país, homicídio cometido contra mulheres motivado por violência doméstica, discriminação de gênero ou misoginia, é a quinta maior do mundo. Ainda, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano de 2020 demonstram um aumento de 2% nos casos de feminicídio, cenário observado a partir do isolamento social da pandemia da COVID-19. Entre as vítimas, 67% eram mulheres negras, 56% tinham entre 20 e 39 anos de idade e 90% foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro.

Entendendo a urgência da questão exposta, e a partir de declarações das personagens presentes na obra, o Grupo Claricena levantou a questão como a sociedade lida com o corpo da mulher? Ao longo da pesquisa, o grupo tramitou por pilares e instituições da sociedade atual, como a Igreja, o casamento, o policiamento e, finalmente, a mídia.

O coletivo também se debruçou em materiais documentais audiovisuais, como o curta-metragem Quem Matou Eloá?, dirigido por Lívia Perez; a série documental The Keepers, que mostra a cobertura documental e jornalística da morte de uma freira em uma comunidade cristã e patriarcal; El caso Alcàsser, sobre a espetacularização da morte de três mulheres em um programa de grande audiência televisiva e Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy, uma série que narra os casos de feminicídio envolvendo Ted Bundy, um assassino altamente glamourizado pela mídia estadunidense.

“Pensando no alcance e possibilidades audiovisuais, precisávamos de uma ferramenta viável, acessível, com mecanismos já compreendidos pelo espectador e com forte poder de compartilhamento de informações em meio a uma pandemia global. Sendo assim, chegamos ao WhatsApp, que se tornou fundamental para a execução desta obra”, conta Anderson. Segundo o levantamento Data Check-up Brasil do Instituto Data Popular, o WhatsApp é a rede social utilizada por mais pessoas no país, com adesão de 84% da classe C. “Sendo assim, concluímos que tal plataforma deveria ser ocupada por nossa pesquisa teatral, democratizando o acesso à pesquisa e ao debate acerca do tema”.

No período de apresentações estará disponível no site do Grupo Claricena [grupoclaricena.com] além do programa do espetáculo, um caderno de encenação, que revela todo o processo criativo de Mulher nenhuma cabe dentro de um apartamento” com croquis, desenhos e anotações.

Fundado em 2013 com intuito de realizar montagens cênicas inspiradas nas obras da autora Clarice Lispector, inicialmente, o coletivo se consolidou como um grupo de pesquisadores de teatro e audiovisual. Foram três espetáculos baseados na literatura da autora: Espectro (2014) inspirado no texto A pecadora queimada e os anjos harmoniososGranja dos Corações Amargurados  (2015) baseado no conto O ovo e a galinha e Adeus, Clarice! (2016-2017), que abarcou pesquisas sobre as cartas escritas e recebidas por Clarice. O Claricena concebeu também o espetáculo A Descoberta de Um (2016-2020), de dramaturgia autoral de Juan Pedro e a encenação performática Tudo vira Pó (2016) exibida na Mostra IP – Intervenções e Performances, organizada pelo Coletivo Careta. Atualmente, o grupo conta com dois projetos audiovisuais em andamento, a websérie SOBREVIVER é a salvação pois parece que viver não existe (2020), disponível no Youtube, que traz a solitude como fator determinante para a investigação pessoal da pessoa solitária e o projeto Uma experiência Transmidiática com Clarice Lispector, que materializa uma experiência no aplicativo do WhatsApp, uma obra audiovisual constituída por artistas dissidentes, jovens, mulheres, pessoas pretas, periféricas ou em vulnerabilidade social (Contemplado pelo edital PROAC36/2021, Artistas iniciantes). O Claricena vem traçando sua trajetória em São Paulo desde 2019, de forma remota, com pesquisadores de diferentes estados brasileiros que desejavam se dedicar a investigações acerca do universo da escritora Clarice Lispector no teatro, com a orientação de Anderson Vieira em parceria com a Núclea de produção TRANZBORDE.

grupoclaricena.com / @grupoclaricena

MULHER NENHUMA CABE DENTRO DE UM APARTAMENTO

Dias 29 e 30 de julho e 5 e 6 de agosto, sexta-feira e sábado às 19h e 21h

Transmissão via WhatsApp

45 minutos | 14 anos | Gratuito (ingressos no site sympla.com.br)

Encenação Audiovisual – Anderson Vieira. Dramaturgia – JulIa Balista. Dramaturgismo – Barbara Esmênia. Intérpretes-Criadores – Amara Hartmann, Emmerson Leão, Fernanda Heitzmann, May Oliveira e Nathiaga Borges. Produção Geral – Mariana Nunes. Assistência de Produção – Fernanda Heitzmann. Direção de Arte e Design – Suane Monteiro. Técnico de Transmissão e Contrarregragem – David Godoi. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Provocação em Lives – Anderson Vieira, Canafistula Lima, Fernanda Heitzmann, Mariana Nunes, Oru Florydo e Tarcila Tanhas. Comunicação Geral e Social Media – Anderson Vieira. Realização – Grupo Claricena. Comunicação – Teatro Já! Apoio – Núclea TRANZBORDE.

(Carta Campinas com informações de divulgação)

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