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‘É o que eles querem: mais um pretinho na FEBEM’


.Por Rafael Martarello.

Os Racionais MC’s têm uma carreira dedicada à denúncia da violência contra a população negra e periférica. São temas que norteiam as canções o racismo, a brutalidade dos aparelhos de repressão estatal, a exclusão social e a pobreza. O terceiro álbum feito pelo grupo, intitulado Raio X do Brasil (1993), estampa na capa por trás das grades a acomodação precária e lotada de pessoas negras. Outro detalhe que chama atenção na capa do vinil é a escrita “Liberdade de Expressão”.

A presidenta da UNE, Bruna Brelaz, publicou uma queixa-crime contra Juliano Lopes, coordenador nacional do Coletivo de Negros João Candido, por Difamação (Art. 139) e Injúria (Art. 140) com incidência qualificadora de RACISMO (de acordo com § 3º). Crimes estes que, se condenado, preveem o encarceramento do indivíduo por mais de 4 anos.

O dirigente negro havia se pronunciado após a presidenta estudantil defender e se juntar em atos com FHC, Dória e ao MBL a chamando de “negra de alma branca”. Trata-se de uma crítica comum feita dentro do movimento negro para categorizar pessoas negras que atuam em benefício dos poderosos brancos, assim como se usa capitão/capitã do mato para aqueles que buscam prender ou perseguir outras pessoas negras.

Neste texto irei fazer colocações envolvendo esse caso e uma das músicas do Racionais Mc’s.

O Homem na Estrada e a vida após o cárcere
A música mais famosa do álbum supracitado, Homem na Estrada, aborda a vida de um homem negro, ex-presidiário e morador da periferia de São Paulo. A música, cantada por Mano Brown, inicia dizendo “Um homem na estrada recomeça sua vida, sua finalidade a sua liberdade, que foi perdida, subtraída”.

Por meio de uma história narrada, a música é um convite para se pensar os maiores problemas que afetam a população negra e periférica: habitação precária; desemprego; violência policial; pouca perspectiva de crescimento econômico e social para o grupo familiar; serviços públicos precários; falta de lazer; proximidade com a criminalidade; e o lucro feito por meio da condição de vida miserável.

Não há dúvidas que essa música é um expoente oposicionista do encarceramento em massa e da discriminação contra egressos do sistema carcerário ao relatar como ter antecedentes criminais danifica as oportunidades de conseguir um trabalho e dota o indivíduo de uma má-fama social.

Não à toa o eu-lírico da música solta uma reflexão de lamento “que fazer para sair dessa situação? desempregado então, com má reputação, viveu na detenção, ninguém confia não, e a vida desse homem para sempre foi danificada”. Outro verso que reforça essa colocação diz “A justiça criminal é implacável, tiram sua liberdade, família e moral, mesmo longe do sistema carcerário, te chamarão para sempre de ex-presidiário”.

Para além desses males, há um agravante da situação, a pessoa continua sendo perseguida e sendo tratada como suspeita em relação a novos incidentes, como bem lembrado pela letra “Como se fosse uma doença incurável, no seu braço a tatuagem, DVC, uma passagem” (…)“Já deram minha sentença e eu nem tava na treta”. Já que existe um desejo, como diz um trecho da música, de colocar mais pessoas negras no atrás das grades.

Uma curiosidade é que essa música se popularizou ainda mais quando ex-senador Eduardo Suplicy a declamou para convencer os demais senadores a não aprovar a redução da maioridade penal, que implicaria em maior encarceramento da população pobre e preta.

Fechamento
Dois em cada três presos no Brasil são negros, a cada uma hora duas pessoas negras são presas no Brasil, o número de presos negros tem crescido 14% e a de brancos caído 19%, e negros são condenados a maiores penas por crimes semelhantes e de grau de intensidade menor. Além disso, nossa população carcerária se aproxima de um milhão de pessoas.

Considerada a crítica da música, a tentativa de encarceramento do dirigente negro deve ser vista como de fato ela é em sua essência: a tentativa de impor para mais um corpo negro a cela lotada, a tortura, o desemprego, a má-reputação social, a potencial violência policial, a perda do benefício de ser réu primário, o cerceamento de sua militância política e no movimento negro.

É um absurdo o grau policialesco, punitivista, repressivo e autoritário que parte da esquerda está alcançando. Não é normal para esquerdistas tratar crítica política como caso de polícia. Não é normal dentre esquerdistas o desejo de que os aparelhos repressivos do Estado Capitalista esmaguem e aprisionem mais pessoas negras dentro dos campos de concentração tupiniquins.

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