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Venezuela e a guerra econômica russo-estadunidense

A Interdependência Armada e a guerra econômica Russo-Estadunidense

.Por Bruno Beaklini (@estanalise).

Na terça-feira, oito de março de 2022, a administração Joe Biden elevou o nível da guerra econômica, proibindo a importação de petróleo, gás e derivados produzidos pela Rússia. Embora o volume destas commodities não seja significativo no consumo doméstico dos EUA, a pressão de alta nos índices especulativos (Brent e WTI) e nos contratos futuros pode elevar o preço do barril de petróleo, equiparando com 2008, ano da crise derivada das fraudes nos empréstimos imobiliários estadunidenses.

A Interdependência Armada como conceito explicativo

(foto wilfredor – wiki – div)

O artigo assinado por Henry Farrell e Abraham L. Newman traz o conceito de Interdependência Armada e se aplica perfeitamente ao momento vivido na atualidade. Publicado pelo MIT em julho de 2019 (publicação acadêmica International Security), o resumo do texto parece um manual aplicado pela Casa Branca, mas não no período isolacionista e bufão de Donald Trump e sim no “multilateralismo subalternizado” promovido por Joe Biden.

Na caracterização de conceitos-chave, o texto apresenta duas variáveis de controle:

Redes altamente assimétricas permitem aos Estados com (1) jurisdição efetiva sobre os nós econômicos centrais e (2) instituições e normas domésticas apropriadas para armar essas vantagens estruturais para fins coercitivos. Em particular, dois mecanismos podem ser identificados. Primeiro, os Estados podem empregar o ‘efeito panóptico’ para coletar informações estrategicamente valiosas. Em segundo lugar, eles podem empregar o ‘efeito ponto de estrangulamento’ para negar acesso à rede a adversários.”

Na sequência os autores demonstram como o controle do tráfego de dados, sejam informações bancárias ou binárias, implicam no domínio de fato sobre uma enorme parcela do planeta:

Testes de plausibilidades desses argumentos em dois estudos de caso estendidos que fornecem variação tanto na extensão da jurisdição dos EUA quanto na presença de instituições domésticas – o sistema de mensagens financeiras SWIFT e a Internet – confirmam as expectativas da estrutura. Uma melhor compreensão das implicações políticas do uso e potencial uso excessivo dessas ferramentas, bem como as estratégias de resposta dos estados-alvo, reformularão os debates acadêmicos sobre a relação entre globalização econômica e coerção estatal.”

Aquilo que foi “testado em modelo” pelos autores, estamos vendo na prática, em tempo real, na história do século XXI sendo escrita pela implantação de uma nova ordem geopolítica mundial e diretamente subordinada aos arranjos de poderes fáticos nos países líderes. Especificamente, a elite dirigente e classe dominante dos EUA estão em choque direto contra a minoria russa tomadora de decisão e, a partir dessa condição, todo o planeta se vê obrigado a tomar posições e se antecipar a problemas imediatos. Um exemplo direto está no conjunto de sanções contra a economia da Rússia e as consequências para a economia mundial.

Biden, Putin e o novo choque do petróleo

Os 15 países com maiores reservas de petróleo no mundo, com dados de 2021 no mundo são:

Venezuela (303.8 bilhões de barris, produção média um milhão de unidades de barris por dia); Arábia Saudita (297.5 bilhões de barris, com produção superior ao da Venezuela em 2021); Canadá (10% do total de reservas provadas de petróleo e tem o montante de 168,1 bilhões de barris); Irã (9% das reservas provadas do mundo, 157,8 bilhões de barris de petróleo); Iraque (8% de participação nas reservas petrolíferas provadas do mundo e 145,0 bilhões de barris estimados); Rússia (6% de participação nas reservas totais de petróleo provadas do mundo, com 107.8 bilhões de barris); Kuwait (6% do total das reservas mundiais provadas, possui 101,5 bilhões de barris); Emirados Árabes Unidos (6% das reservas totais provadas de petróleo, detentor de 97,8 bilhões de barris); EUA (4% das reservas totais provadas de petróleo, contando com 68,8 bilhões de barris); Líbia (possui 48,4 bilhões de barris das reservas provadas); Nigéria (possui 36,9 bilhões de barris das reservas); Cazaquistão (30,0 bilhões de barris de petróleo em reservas); China (26,0 bilhões de barris em reservas); Catar (detém 25,2 bilhões de barris, setor responsável por mais de 70% do rendimento total da nação); e Argélia (12,2 bilhões de barris da reserva provada).

Já o Brasil aparece em 16° lugar nessa lista de 2020, sendo detentor de 11,9 bilhões de barris, sendo que esse é um valor ainda estimado, porque nosso potencial é o da autossuficiência em produção e refino, alcançado em 2006, o que estaria ocorrendo plenamente, caso não fosse a gestão entreguista da Petrobrás.

Segundo a BBC, os dez maiores produtores de petróleo do mundo na atualidade são: Estados Unidos (16,5 milhões de barris dia); Arábia Saudita (11 m); Rússia (10,7m); Canadá (5,1m); Iraque (4,1m); China (3,9m); EAU (3,7m); Irã (3,1m); Brasil (3m) e Kuwait (2,7m).

Em termos de produção e exportação de gás natural, a situação é muito mais delicada, em especial para a União Europeia e suas economias líderes. O gás russo significa cerca de 40% das importações desta commodity para o governo da Comissão Europeia, e especificamente aproximadamente 49% do gás alemão tem origem russa. Além da Alemanha, a Itália ficaria diretamente vulnerável. Uma possibilidade seria aumentar a importação de gás natural liquefeito (GNL), indo de navio dos EUA para as costas europeias. Outra via seria aumentar a produção em países como Nigéria, Argélia e o Catar; embora barreiras técnicas e de capacidade instalada sejam impeditivos.

Considerando os gasodutos e a capacidade instalada, a interdependência faz com quem qualquer tensão mais séria entre Rússia e União Europeia venha a prejudicar a ambos e favorecer a hegemonia dos Estados Unidos, incluindo o aporte em cadeias de valor estratégicas como petróleo e derivados. Outra situação de dependência do governo supranacional liderado por Alemanha e secundado pela França está no tema da defesa.

Por mais que Paris insista na capacidade europeia em termos militares, a Aliança do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) está longe de ser uma Europa Militar Unida e depende diretamente dos Estados Unidos, em todos os sentidos.

A reaproximação com a Venezuela como uma das alternativas

Na mesma terça oito de março, Dia Internacional da Mulher, o presidente venezuelano Nicolás Maduro recebeu uma delegação dos Estados Unidos. Não foi uma reunião secreta, tendo sido divulgado na Telesur e em redes sociais. Assuntos importantes foram abordados, como o contencioso e as sanções; o roubo de riquezas externas da Venezuela (como o ouro retido nos depósitos da Grã Bretanha), o caso do roubo do controle sobre os ativos da CITGO (a gigantesca subsidiária da PDVSA, estatal venezuelana) e as operações de sabotagem contra a infraestrutura do país notadamente no setor elétrico.

Como sinal de boa vontade, o Palácio Miraflores liberou Gustavo Adolfo Cárdenas, ex-diretor da Citgo com dupla nacionalidade e junto a outros cinco executivos, acusados de crimes de corrupção e contra a economia nacional. Além deste gesto, Maduro anunciou que teria uma agenda diplomática e respeitosa com a superpotência.

O tema é delicado para a Venezuela, pois depende diretamente de investimentos e pagamentos russos, e se Moscou enfrentar uma recessão, expõe ainda mais a fragilidade venezuelana. Com a escalada dos preços do petróleo, pode ser a chance de diminuir a pressão inflacionária e aumentar o ingresso de divisas, além de reaver depósitos e ativos venezuelanos roubados pelas “democracias ocidentais”.

Se hoje a PDVSA está fragilizada, em curto prazo pode voltar a operar com plenitude e garantir uma das bases de aporte para a Europa. Essa é uma das facetas da nova ordem geopolítica mundial, baseada em interdependência armada e cujo momento imediato se vê diante de um novo choque do petróleo. (Do Estratégia e Análise)

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