Em São Paulo – O escritor e crítico de arte francês Guillaume Apollinaire (1880 — 1918) é conhecido por ter inaugurado o termo surrealismo nas artes. A peça As Mamas de Tirésias, de sua autoria, foi escrita em 1903 e é reconhecida por muitos como a obra que inaugurou o termo do movimento vanguardista. A partir do dia 15 de janeiro de 2022, a montagem do diretor André Capuano entra novamente em cartaz após a suspensão da temporada presencial que estava em curso no mês de março de 2020 devido à pandemia de coronavírus. Dessa vez, a peça acontece na área externa da Oficina Cultural Oswald de Andrade.
No elenco estão as atrizes Gilka Verana, Ana Paulla Mota e Priscilla Carbone. Também está em cena Almir Rosa como O Povo de Zanzibar, personagem representado pela discotecagem do espetáculo. Além da peça, haverá também uma uma mostra de cinema surrealista com filmes icônicos que correspondem a essa temática e a mesa de debates Falas Sobre Surrealismo, que trará pesquisadores para falarem sobre esse movimento artístico durante um trecho da peça. No dia 15/1, a mesa é coordenada por Sofia Boito. No dia 22/1, por Vinícius Torres Machado.
O drama surrealista As Mamas de Tirésias conta a história de Teresa que, ao romper com seu marido – um homem alucinado por toucinhos – o amarra, se veste com suas roupas, corta as próprias mamas e reivindica a liberdade assumindo a identidade de General Tirésias. Em seguida, ela inicia uma campanha contra a procriação. Seu marido, numa afronta, gera sozinho dezenas de milhares de bebês macabros. O enredo absurdo se soma a uma escrita fragmentada e em versos, elementos representativos da dramaturgia de Apollinaire.
“O acordo que fizemos quando assumi a direção era de que materializássemos ao extremo todos elementos propostos pelo texto, com cada atriz concebendo cada cena a partir de suas próprias inquietações e vontades artísticas”, conta André Capuano, diretor da montagem.
Segundo André, as cenas propostas eram muito diferentes entre si e, não raro, uma contrapunha a outra, o que gerou a concepção da peça. A dificuldade de olhar para a peça como um todo por causa das diferentes visões apresentadas pelas atrizes se revelou o gesto principal do espetáculo. A solução foi o aproveitamento máximo das propostas trazidas por cada uma delas para cada parte do texto. Em seguida, André selecionou e sobrepôs os materiais criados, acrescentando também sua visão e conduzindo a criação coletiva das versões finais das cenas e do espetáculo.
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Além de anteceder muitas das inovações dramáticas vistas até hoje, Apollinaire usa o mito do profeta cego de Tebas, Tirésias, para provocar reflexões sobre igualdade de gênero, o militarismo ostensivo e a manipulação midiática. A peça foi escrita diante do clima de destruição, desilusão e incerteza causado pelos horrores da Primeira Guerra Mundial. No texto, ele renuncia à lógica discursiva e da “seriedade” ao lidar com as questões de sua época.
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“Nós tínhamos três versões e discursos completamente diferentes entre si – esse choque dialoga com a postura de Apollinaire, que após ter retornado ferido da Primeira Guerra Mundial, revisou o texto e escreveu uma análise absolutamente contraditória com todo discurso que a obra carregava até então. Essa também é uma realidade que se aproxima do Brasil atual, em que múltiplos discursos estão sobrepostos, gerando choques constantes que precisam ser observados e urgentemente colocados no campo da criação artística se quisermos avançar”, conta Capuano.
Além de uma possível leitura sobre o Brasil contemporâneo, a peça também lança um olhar sobre a questão da emancipação feminina. Segundo a equipe, é simbólico que ao ser abandonado por Teresa, seu ex-marido assume para si a responsabilidade de dar conta do mundo e acabe gerando milhares de criaturas macabras.
“As Mamas de Tirésias é uma peça de reivindicação e elogio à liberdade do teatro, fundamental em tempos de emergência poética, de sufocamento causado pelo avanço do conservadorismo, do ódio e da intolerância”, diz Gilka Verana. A trilha sonora composta coletivamente é fragmentada e, em seus retalhos, traz desde os sons de uma guerra em processo até músicas brasileiras de artistas como Tim Maia e A Cor do Som. A discotecagem fica por conta do ator e DJ Almir Rosa, que assume o papel do Povo de Zanzibar.
Para materializar o absurdo do texto, Capuano apostou em uma estética do precário e do excesso. A cada cena, se sobrepõem figurinos, adereços e objetos utilizados no momento anterior. O acúmulo vai se formando por todo o ambiente cênico e resulta em um amontoado de resíduos. “É a escolha de uma linguagem. O entulho, o lixo e a sensação das sobras diz muito sobre a contradição de discursos, sobre as relações fragmentadas”, conta o diretor. Compõem esse espaço confetes de carnaval, tecidos, groselha, macarrão instantâneo, tomates e muito mais.
As três atrizes interpretam todos os personagens da peça e se alternam em cada um dos papéis. Os figurinos, trocados com frequência, são compostos por roupas puídas, velhas, indicativas desse ambiente inóspito que vai sendo construído.
A peça também propõe duas aproximações diretas com o público. Uma delas é quando as atrizes movem o cenário de forma a transformá-lo em um bar. Se desejarem, as pessoas podem beber algo e comer os petiscos servidos na hora ao som das músicas selecionadas pelo Povo de Zanzibar.
Guillaume Apollinaire foi um poeta, escritor e crítico de arte francês considerado um dos mais importantes ativistas culturais da França no início do século XX. Ficou conhecido por sua poesia sem pontuação e por ter influenciado os movimentos de vanguarda que revolucionaram o cenário artístico europeu da época. Sua obra literária é vasta e fragmentada, tendo sido publicada durante quase duas décadas em jornais, revistas, panfletos e livros. Percorreu todos os gêneros — poesia, prosa, teatro, ensaios, crítica e anunciava os princípios de uma nova estética que tinha como fundamento a ruptura com os valores do passado.
Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, Apollinaire alista-se no exército francês e é gravemente ferido em batalha. Durante sua recuperação finaliza Les Mamelles de Tirésias, peça escrita em 1903, mas que sofreu drásticas alterações devido sua experiência com a guerra. O drama que mescla desespero com humor, nomeado por ele surrealista, teve sua primeira estreia em 24 junho de 1917. Um ano depois ele morre vítima da gripe espanhola, doença pandêmica que também chegou ao Brasil. Foi enterrado no cemitério de Père-Lachaise em Paris, tendo em seu túmulo uma escultura feita por seu amigo e artista Pablo Picasso.
SINOPSE
Três atrizes mergulham no drama surrealista de Guillaume Apollinaire para contar a história de Teresa, que amarra seu ex-marido, se veste com suas roupas, sai de casa lutando por liberdade e inicia uma campanha em Zanzibar contra a procriação. Seu ex-marido, em resposta, gera sozinho, num só dia, 40.050 crianças que assumem formas macabras.
MOSTRA O SURREALISMO NO CINEMA
Sábados, às 16h | Gratuito – Retirar ingressos com uma hora de antecedência | Capacidade: 30 pessoas | Curadoria: André Capuano | Coordenação: Gilka Verana
15/1 — As Pequenas Margaridas
Direção: Vera Chytilová | Duração: 1h14min | Classificação: 16 anos
(Thecoslováquia, 1966, Comédia, Drama)
Utilizando-se de avançados efeitos especiais para a época, Vera Chytilová dirigiu esta obra surrealista que conta a história de duas garotas que partem para uma jornada de travessuras para desconstruir o mundo ao seu redor.
22/1 — A Montanha Sagrada
Direção: Alejandro Jodorowsky | Duração: 1h 54min | Classificação: 18 anos
(EUA, México, 1973, Aventura, Fantasia, Drama)
Ladrão (Horacio Salinas) perambula por estranhos cenários repletos de símbolos religiosos e pagãos. Um guia espiritual (Alejandro Jodorowsky) o apresenta a sete pessoas, cada uma representante de um planeta do sistema solar. Então, o grupo segue para a Montanha Sagrada com o intuito de ocupar o lugar dos deuses imortais que lá vivem e dominam o mundo.
Dia 5/2 — La Danza De La Realidade
Direção: Alejandro Jodorowsky | Duração: 2h 10 min | Classificação: 16 anos
(França, Chile, 2013, Ficção)
A cinebiografia de Alexandro Jodorowsky explora as aventuras e as buscas da sua vida. Nascido no Chile, em 1929, na pequena cidade de Tocopilla, Jodorowsky teve uma educação rígida e violenta. Apesar dos fatos serem reais, a ficção ganha vida com um universo poético que reinventa a sua história.
FICHA TÉCNICA
Texto: Guillaume Apollinaire
Direção: André Capuano
Atuação: Ana Paulla Mota, Gilka Verana e Priscilla Carbone
Discotecagem e operação de som: Almir Rosa
Coreografias: Paula Petreca
Direção de arte: André Capuano
Cenografia: Julio Dojcsar
Figurino: Julio Dojcsar, Ana Paulla Mota, Gilka Verana e Priscilla Carbone
Assistência de palco e assistência de produção executiva: Muninn Constantin
Locução: Marcelo Rocha
Fotos: Fábio Amaro e André Capuano
Produção: Gilka Verana e Weber Anselmo Fonseca
As Mamas de Tirésias
15 de janeiro a 12 de fevereiro de 2022. Sábados, às 11h
Local: Área externa da Oficina Cultural Oswald de Andrade (Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro, São Paulo)
Ingressos: Grátis (retirar o ingresso na bilheteria com 1h de antecedência). Capacidade: 30 pessoas. Duração: 240 minutos. Gênero: Drama surrealista
Classificação Indicativa: 18 anos
(Carta Campinas com informações de divulgação)